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Livro revela intrigante viagem de George Orwell
06/03/2010 | 07:00
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Mais conhecido pelo distópico "1984" (escrito em 1949) e pelo satírico "A Revolução dos Bichos" (1945), ambos manifestos ficcionais contra regimes totalitários, o escritor inglês George Orwell, desafiado pelo escritor e editor inglês socialista Victor Gollancz (1893-1967), passou dois meses, em 1936, nos condados de Lancashire e Yorkshire, visitando lugares como Wigan, Barnsley e Sheffield. Antigo reduto dos celtas, essas três cidades inglesas, durante a Revolução Industrial, conheceram uma dramática expansão - e consequentemente, um aumento significativo no número de bebês, filhos de mineiros esfomeados cuja condição miserável é descrita em "A Caminho de Wigan Píer" (Companhia das Letras, 288 págs., R$ 46).

Orwell foi investigar as condições de vida da classe trabalhadora do Norte da Inglaterra pouco antes de partir para a Espanha, onde lutou contra Franco junto aos companheiros do Partido Operário de Unificação Marxista.

O livro, originalmente publicado em 1937, é um relato honesto do que Orwell viu nesses dois meses. Honesto e crítico. O editor Gollancz não gostou da franqueza usada pelo escritor ao descrever o cheiro da classe trabalhadora. Incomodou-o a observação de Orwell - cujo nariz afilado era extremamente sensível -, de que os operários cheiravam mal. Seu olfato era tão apurado que as digressões por causa do mau cheiro se tornam comuns no livro. Elas revelam um desejo incontido de se afastar de casas onde as bacias cheias de água suja concorriam com pratos de comida empilhados na pia e penicos cheios no meio da sala.

Culpa dos próprios moradores, sentenciou Orwell, mais uma vez, para escândalo de Gollancz, que ainda teve de suportar uma crítica ao socialismo de classe média na segunda parte do livro. Nela, seu autor deixa os deserdados para atacar intelectuais burgueses que, segundo ele, estavam fazendo o socialismo retroceder.

Antes que alguém o criticasse por isso, Orwell, no parte final de "A Caminho de Wigan Píer", faz o papel do advogado do diabo, avisando que está argumentando a favor do socialismo, não contra.

Criado numa família de posses e vestido por criados indianos, Orwell se fez passar por mendigo andarilho e pediu esmolas nas portas dos fundos para escrever "Na Pior em Paris e Londres", primeiro da série de três livros de não ficção publicados nos anos 1930 (os outros são "Homenagem à Catalunha" e "A Caminho de Wigan Píer").

A respeito da primeira experiência de travestismo social, ele conta que seu sotaque educado acabou eclipsado por suas roupas. "Eu estava sujo e maltrapilho, e isso era tudo que viam." Muito cedo, Orwell, um "esnobezinho odioso" aos 14 anos, descobriu que "o problema das classes sociais não se resolve fazendo amizade com mendigos".

Nem com mineiros do Norte da Inglaterra. Orwell teve dificuldades para se livrar dos preconceitos de sua classe social. Isso explica, em parte, segundo a introdução do acadêmico Richard Hoggart, o movimento pendular em seus escritos. Hoggart diz que Orwell vai da raiva à solidariedade à classe trabalhadora. "Uma voz tipicamente inglesa", resume o professor.




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