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Inédita nos palcos brasileiros, 'Dança da Morte' chega às livrarias
Do Diário do Grande ABC
28/01/2000 | 15:50
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Existe um tipo de casamento no qual atraçao física, admiraçao mútua ou projetos em comum estao longe de ser os elementos da química responsável pela permanência da relaçao. A uniao mantém-se unicamente por motivos bem menos nobres, como medo da solidao, insegurança pessoal ou dependência financeira. É a história de duas pessoas presas uma à outra pelo que têm de pior, vivendo uma relaçao de amor e ódio em um casamento há muito transformado em sinômino de inferno, que o escritor sueco August Strindberg (1849-1912) retratou em "Dança da Morte".

Na traduçao de Gabor Aranyi, "Dança da Morte" acaba de ser lançada pela editora Veredas (123 págs., R$ 15). O livro integra a coleçao "Em Cartaz", que tem entre seus títulos "Casa de Bonecas", de Ibsen, "A Gaivota", "O Tio Vânia", "O Jardim das Cerejeiras" e "As Três Irmas", as quatro grandes peças de Chekhov e Gilgamesh, de Antunes Filho. Aranyi, também responsável pela editora, prepara ainda o lançamento de "Ralé", do russo Máximo Gorki.

Sincronia - Como o nome da coleçao já indica, a intençao inicial do editor era lançar peças em sincronia com suas montagens, de preferência para serem vendidas no saguao dos teatros, prática comum na Europa e nos Estados Unidos. Com Strindberg, Aranyi fez uma aposta. "Ele voltou a ser encenado recentemente na Europa e "Dança da Morte" estava em cartaz em Londres quando decidi editá-la", comentou o editor. "Como em geral os diretores brasileiros sao influenciados pelo exterior, imaginei que a peça poderia estar em cartaz por ocasiao do lançamento".

Mas a possível montagem obviamente nao foi o único estímulo. "Trata-se de uma grande peça; nao sou um especialista em teatro, apenas um tradutor, mas considero excepcional a forma como Strindberg explora o tema da relaçao conjugal", diz. "É uma peça densa, mas eu conheço casais que vivem uma relaçao de amor e ódio muito parecida". O dramaturgo suíço Friedrich Dürrenmatt também se sentiu atraído pela peça a tal ponto que escreveu "Play Strindberg", uma recriaçao da peça envolvendo o mesmo casal.

Mais curta do que a peça de Strindberg - inédita em palcos brasileiros - e com uma dose maior de humor negro, a versao do suíço foi encenada no Brasil na década de 70 com o título "Seria Cômico se nao Fosse Trágico", com Fernanda Montenegro no elenco e, em 1997, novamente montada no Rio, com direçao de Luiz Arthur Nunes, com o nome "Seria Trágico se nao Fosse Cômico". Os personagens centrais criados por Strindberg em "Dança da Morte" - dos quais Dürrenmatt se apropriou - sao a ex-atriz Alice e o capitao de artilharia Edgar, que vivem numa ilha fortificada.

O temperamento difícil de ambos acabou por afastar do casal os poucos habitantes da ilha. A comunicaçao com a filha Judite é feita por meio do telégrafo, único contato do casal com o mundo fora da ilha. A aridez do cotidiano de ambos é quebrada com a chegada de Kurt, um velho amigo da família, nomeado comandante da estaçao de quarentena na ilha. Em pouco tempo, ele vai se tornar a próxima vítima do ressentimento de Edgar contra a sua vida fracassada. Ao se dar conta do inferno em que vive o casal, Kurt pergunta por que nao se divorciam: "Que pergunta!" responde Alice.

"Quando ainda éramos noivos tentamos romper por duas vezes e também todos os dias desde entao, todo santo dia... mas estamos agrilhoados, e nao conseguimos romper". Apesar do clima de opressao mútua, o humor nao está de todo ausente, um humor negro, claro, que tem origem nos diálogos cáusticos e mordazes entre os protagonistas. "Está com raiva por eu nao ter morrido ontem", diz Edgar para a mulher. "Por nao ter morrido 25 anos atrás... por nao ter morrido antes de eu nascer", responde Alice.

Na véspera dessa conversa, Edgar sentira-se mal. Após ajudar o casal, Kurt conversa com Alice sobre a saúde do marido. "O que disse o médico?", pergunta Alice. "Pode ser que ele morra", diz Kurt. "Deus queira!", responde ela. Outro exemplo de humor cáustico é a forma como Kurt define Edgar. "É o homem mais arrogante que já encontrei. Seu lema: existo, portanto Deus também existe".

Já nas livrarias, a publicaçao de "Dança da Morte" coloca à disposiçao do público a leitura desta peça protagonizada "por duas das mais demoníacas personagens que já fizeram ouvir sua voz em toda a literatura", como define o crítico teatral John Gassner.




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