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Para ler o começo do século 20
Joao Marcos Coelho
Especial para o Diário
22/07/2000 | 15:48
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Desde a publicaçao de seu primeiro e caudaloso romance, Os Buddenbrook, em 1901, o escritor alemao Thomas Mann (1875-1955) foi capaz de transformar o pensamento em sentimento por inteiro, "assim como o sentimento tornar-se por inteiro pensamento". Um de seus personagens qualifica essa alquimia entre pensamento e sentimento como "a suprema ventura do escritor". Aí reside sua grandeza: realizar uma poderosa obra de ficçao que, mais do que qualquer coisa, é um verdadeiro, cruel e exato painel da vida alema, e também européia, da primeira metade do século 20 - a das duas guerras mundiais provocadas por seu país, o fenômeno do nazismo etc.

Uma das boas maneiras de se ler os primeiros 50 anos do século 20 é certamente mergulhar em livros como Morte em Veneza, Os Buddenbrook, A Montanha Mágica e Doutor Fausto.

Por isso é tao bem-vinda a iniciativa da Editora Nova Fronteira de relançar a sua obra, começando com Os Buddenbrook (R$ 58), Morte em Veneza (R$ 23), Tonio Kroger (R$ 23), Cabeças Trocadas (R$ 19), Confissoes do Impostos Feliz Krull (R$ 34) e Doutor Fausto (R$ 47), que estao chegando às livrarias este mês.

Mann utilizou a arte e a figura do artista - com destaque para a música - como modelo narrativo para elaborar seu imenso e genial painel da Europa no período 1900-1950.   Em Os Buddenbrook, história de quatro geraçoes de uma família alema abastada que mergulha progressivamente na decadência financeira e existencial, ele apresenta pela primeira vez a figura do músico no personagem Hanno. Em Morte em Veneza a morte é introduzida como o outro tema obsessivo do escritor. Cabeças Trocadas é ambientada na India, enquanto Tonio Kroger, de 1903, é claramente autobiográfico. O clímax é atingido em Doutor Fausto, onde Mann, calcado nas figuras de Theodor Adorno e de Arnold Schoenberg, cria o compositor Adrian Leverkühn, cuja vida e obra é contada por um amigo.

A riqueza de conteúdo - as discussoes filosóficas, políticas, de idéias, religiosas e estéticas se escorrem deliciosamente em dezenas de páginas, quebrando o curso narrativo e rompendo as divisoes entre ficçao e ensaio.

Mas, como ninguém é perfeito, Mann defendeu a Alemanha imperial na Primeira Guerra e só recuperou sua imagem internacional desgastada em 1929, ao conquistar o Prêmio Nobel. O nazismo, porém, empurrou-o para o exílio na Segunda Guerra, quando se fixou nos Estados Unidos e lutou contra Hitler e o totalitarismo, transformando-se numa espécie de embaixador cultural de seu país. Os milhares de imigrantes alemaes entao radicados nos Estados Unidos costumavam dizer que onde estava Thomas Mann estava a cultura alema.

Sempre vale a pena reler Thomas Mann. Mas, para se obter uma imagem completa deste notável escritor, é preciso aguardar nao só os relançamentos de outros romances como A Montanha Mágica e a tetralogia José e Seus Irmaos, além de - e principalmente - suas coletâneas de ensaios.




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