Setecidades Titulo
'A política paralisou o transporte público'
Renan Fonseca
Do Diário do Grande ABC
03/10/2010 | 07:19
Compartilhar notícia


A mudança de gestores no cenário político por meio das eleições permite a continuidade do sistema democrático. Mas a falta de compromisso com a continuidade de projetos importantes acarreta série de defeitos na engrenagem pública. O termômetro que melhor afere esse problema é o transporte público, na visão do professor de Engenharia do Instituto Mauá de Tecnologia e consultor Adriano Murgel Branco. Iniciativas como a implantação de ônibus elétricos - os trólebus - no Corredor ABD, e a extensão do fura-fila em São Paulo foram interrompidas ao longo dos anos, superlotando o transporte público e congestionando ainda mais o trânsito. "A política paralisou obras e engavetou projetos. A culpa pelos problemas no transporte é do poder público", sentencia.

Desde a década de 1980, Branco atua na gestão de políticas públicas. Em 1995 foi nomeado pelo governador Mário Covas para participar dos conselhos de administração do Metrô, da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A) e desde 2000 presta consultoria à Secretaria de Estado dos Transportes. Ele também participou da criação do Corredor ABD. "A princípio, o corredor exclusivo deveria receber apenas ônibus elétricos, mas os políticos mudaram o projeto e hoje temos uma via cheia de falhas para o transporte coletivo", explica o consultor.

Branco lembra que o corredor deveria possuir canaletas, separando os ônibus do tráfego normal. "Isso só acontece em um pequeno trecho na divisa de Diadema e São Paulo. Uma forma de melhorar o sistema é segregar o transporte", analisa.

Os estudos envolvendo uma rede ampliada de transporte público começaram em 1974. O objetivo era interligar a Capital e as 39 cidades da região metropolitana. Nesse contexto, entra o Corredor ABD. "O poder público permitiu a briga entre Eletropaulo e EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos) e só voltaram a falar sobre a instalação de trólebus". Confira a seguir os principais trechos da conversa.

FURA-FILA

Outro exemplo de falta de continuidade citado pelo especialista é o Fura-fila, obra iniciada em 1997 na gestão do ex-prefeito Celso Pitta. "O projeto prevê 150 quilômetros e hoje pouco mais de 17 quilômetros estão construídos", completou.

O professor defende a construção de faixas exclusivas e vias elevadas para aumentar a capacidade do transporte. Ele explica que os defeitos do sistema atual são cíclicos, e que este não comporta as necessidades dos passageiros.

ÔNIBUS PARA AGRADAR

"A cada ano os políticos aumentam a frota de ônibus, pois é uma prática bem vista pela sociedade, atrai confiança. Mas isso só diminui a velocidade do trânsito, fazendo com que as pessoas optem cada vez mais pelo transporte próprio", analisou Branco. "Uma coisa acarreta a outra. E quanto menor a velocidade do trânsito, mais caro fica o transporte público. Quem sente esse efeito é o passageiro, que paga mais caro pela passagem."

Mais um ponto criticado pelo professor é o mau aproveitamento da superfície viária. O estresse sentido pelos passageiros na região metropolitana é causado pela briga entre ônibus e carros. "Hoje, optar pela implantação de metrô ou veículos leves sobre trilhos é algo demorado e não resolve os problemas mais alarmantes." Branco reforça que a medida mais ágil é a separação do transporte público do fluxo normal. "O Fura-fila em São Paulo é um bom exemplo. Mas, novamente, o projeto perdeu força por conta da falta de compromisso do poder público", alfinetou.

"Construir vias elevadas exclusivas, canteiros centrais para ônibus em grandes avenidas fazem parte do rol de projetos que aumentariam a velocidade do trânsito e melhorariam a qualidade do transporte", continuou.

VALOR DA PASSAGEM

Nas sete cidades, paga-se pela passagem valor médio de R$ 2,50. Nas linhas intermunicipais, o custo pode chegar a mais de R$ 3,10. O professor argumenta que, nos moldes do transporte regional, baixar o custo da tarifa é quase impraticável. As empresas não conseguem fazer a operação com o trânsito atual. O congestionamento causa a elevação dos custos", comentou o consultor.

Uma maneira de melhorar o gasto no transporte coletivo é aumentar a velocidade do fluxo. "É uma matemática simples: com transporte mais veloz, a capacidade do sistema aumentaria e atrairia mais pessoas. Possível redução no transporte próprio seria um dos primeiros pontos positivos", reafirmou. Em uma situação hipotética, Branco afirmou que, se o número de viagens no dia dobrasse em todos os meios de transporte público, as pessoas não precisariam optar pelo automóvel. "É uma situação difícil de imaginar atualmente. Para isso é necessário investimento e desengavetar projetos que podem solucionar os problemas do trânsito", ressaltou.

VISÃO MACRO

O consultor defende que transporte público deve ser administrado em conjunto com as outras competências do poder executivo, como drenagem. "Os gestores têm de entender que o sistema deve ser analisado de forma macro, considerando todos os pontos da malha urbana", reforçou. No Grande ABC, o condutor que precisa acessar a Avenida dos Estados, que cruza São Caetano, Santo André e Mauá, sofre com as enchentes em períodos de chuva. "Se o Fura-fila fosse estendido para esse trecho da avenida, passando sobre o Rio Tamanduateí, acabaria com o tráfego intenso. Mas, antes disso, as administrações municipais têm de investir em drenagem, para acabar com enchentes", arquitetou o professor.

Em promessas de campanhas políticas, os candidatos falam de projetos dispendiosos como a construção de mais linhas de metrô e instalação de trilhas para o mono-trilho.

Branco volta a defender que essas promessas são difíceis de serem cumpridas e, mesmo assim, demoram para apresentarem resultados positivos. "Os dois equipamentos são alvos de discussões políticas, mas a população precisa de atitudes mais urgentes. O trânsito metropolitano tem de aumentar a velocidade", defende.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;