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Confronto com a polícia mata 22 pessoas na região

Número deste ano é 10% maior que o do 1º quadrimestre de 2015; maioria é homem e parda

Yara Ferraz
Do Diário do Grande ABC
03/07/2016 | 07:00
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Denis Maciel/DGABC


O número de vítimas fatais em decorrência de intervenção policial aumentou 10% neste ano no Grande ABC. Dados da SSP (Secretaria da Segurança Pública) mostram que as mortes aumentaram de 20 para 22, comparando o período de janeiro a abril de 2015 com o deste ano. Os números representam mais de uma morte por semana.

No ano passado, a maioria das ocorrências aconteceu em Santo André, com registro de oito mortes, seguida por São Bernardo, com sete, e Diadema, com cinco. Já nos quatro primeiros meses de 2016, a cidade mais violenta foi Diadema, com oito registros, seguida por São Bernardo (cinco), Santo André (quatro) e São Caetano e Mauá, cada uma com dois casos. Ribeirão Pires teve um óbito.

Na classificação das vítimas, o total de 42 pessoas mortas eram do sexo masculino, a maioria classificada como parda (dez em 2015 e 12 em 2016) e com idades variadas (veja mais informação no gráfico ao lado).

Em 2015, 12 pessoas foram classificadas nos boletins de ocorrência como autores de crimes, a maioria roubo (nove). Três eram adolescentes infratores e cinco estão apenas classificadas como vítimas. Seis homens, do total de 20, não tinham sido identificados. Em 2016, o número caiu para três.

Já no primeiro quadrimestre deste ano, 17 foram classificados como criminosos e a maioria se manteve responsável por roubo (oito). Dois eram jovens infratores e três foram classificados apenas como vítimas. Uma delas é José Erlanio Freires Alves, 36 anos, morto em Santo André pela PM (Polícia Militar) no dia 13 de janeiro. O jogador de futebol da várzea ia para o trabalho em Diadema, a pé, quando foi atingido por disparos que também mataram o ladrão Victor Hugo de Carvalho Silva Dias, 22. Na época, o policial Eduardo Pontes de Lima alegou que não viu o morador do Jardim das Maravilhas no momento dos disparos.

O jogador Tony, como era conhecido no time União Vila Sá, deixou a mulher e quatro filhos, sendo três meninos (de 9, 12 e 15 anos) e uma menina de apenas 1. A viúva, Vanessa Cavalcanti de Assunção Alves, 34, luta para manter a família, já que era dona de casa e seus parentes são de Minas Gerais. “Meus filhos sempre comentam comigo: ‘Poxa mãe, o pai sempre foi certinho, nunca fez nada de errado e olha o que aconteceu com ele.’ Falo para eles que nunca podem esquecer que o pai foi um exemplo.”

A família vive com a renda da pensão por morte que Vanessa conseguiu no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e doações de amigos. “Lembro até hoje que no dia que ele foi morto, saiu de casa, se despediu da gente e disse que ia trazer as fraldas para a Bianca. Isso não aconteceu. Ele nunca mais voltou e é difícil acreditar que seja verdade. Às vezes parece que estou presa em um pesadelo e ele vai abrir a porta a qualquer momento”, disse, entre lágrimas.

Em relação à conclusão do caso, a família, testemunhas e o policial acusado participaram de audiência preliminar em abril. Não há previsão para a data do julgamento. “O advogado me informou que o policial já está solto e trabalhando no batalhão. Acho que a Justiça mesmo é só para eles (policiais), para a gente resta a dor da perda”, afirmou a viúva.

Segundo a SSP, o policial envolvido na morte de Alves foi preso em flagrante, porém, devido a alvará de soltura, foi posto em liberdade em março. Ele responde processo administrativo que pode culminar na expulsão da corporação.

Ainda conforme a Pasta, há ações em andamento para reduzir a letalidade policial, que resultaram na redução de 24% na letalidade em serviço nos primeiros seis meses do ano, em comparação com o mesmo período de 2015. Os números absolutos não foram informados.

ESPERA

Para o especialista em Segurança José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública e ex-comandante da PM, uma falha do sistema de Segurança é a ineficiência da Polícia Civil em esclarecer esses casos. “Percebo que a Civil deve à sociedade uma resposta. Ela foi criada com o objetivo de esclarecer crimes, mas o que noto ultimamente é que muitas ocorrências ficam sem resposta. É preciso que o Estado cobre isso.”

Um exemplo da demora para a conclusão do caso é o assassinato dos jovens Douglas Silva e Felipe Pontes Machado, ambos com 17 anos. Eles saíam de moto da escola em São Bernardo, quando foram confundidos com ladrões e mortos a tiros pela PM. O caso aconteceu em novembro de 2011, mas somente em fevereiro do ano passado, o judiciário aceitou a denúncia e os três policiais envolvidos foram aceitos como réus. Segundo a Corregedoria da PM, o oficial envolvido na ocorrência responde a processo administrativo e está afastado da atividade operacional, prestando serviços administrativos. (colaborou Daniel Macário)

Especialistas apontam deficiências na Segurança

Para especialistas, soma de fatores contribuem para o aumento da letalidade policial, embora os agentes sejam treinados no Método Giraldi, que prevê a diminuição das mortes e o Diário mostrou em 2014. Segundo o ex-secretário nacional de Segurança Pública e ex-comandante da PM José Vicente da Silva Filho, o ambiente de insegurança contribui. “Vivemos em cenário muito violento, onde os policiais têm medo de trabalhar. O resultado de tudo isso é que esses soldados estão cada vez mais vulneráveis a apertar o gatilho.”

O coronel também destaca a ausência de investimento na formação. “É preciso tirar a PM do sucateamento. O que vemos hoje são delegacias quebradas. Isso só irá melhorar quando a Segurança pública receber mais atenção.”

Para o integrante do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) e coordenador estadual do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Ariel de Castro Alves, a letalidade se mostra cada vez maior em casos envolvendo menores. Só neste ano foram três adolescentes mortos na região. No Estado, 191 menores morreram em confrontos nos últimos seis anos, conforme a Ouvidoria de Polícia.

“Casos como do menino Ítalo Ferreira, de 10 anos, morto por policiais militares no dia 2 de junho, no Morumbi; de Waldik Chagas, 11 anos, morto por um guarda-civil no dia 25 de junho, na Cidade Tiradentes; e também do universitário Júlio Cesar Espinoza, que teve o carro fuzilado por policiais militares e guardas-civis de São Caetano, resultando em sua morte, na segunda-feira, chamaram a atenção. Na região temos esse aumento da violência policial, resultado do despreparo dos agentes, mas também por serem formados com a mentalidade de que os jovens pobres, da periferia, devem ser tratados como inimigos”, afirmou.

Segundo Alves, há características em comum entre as ocorrências. “São casos de supostos confrontos nos quais as viaturas não são atingidas e nenhum policial é ferido. Depois, de forma suspeita, aparecem armas nas mãos das vítimas e resíduos de pólvora. As ocorrências demoram para ser registradas e os locais de crimes não são preservados. Precisamos ampliar a Ouvidoria de Polícia, criar conselhos de direitos humanos e o Ministério Público tem de atuar no controle externo das polícias.” 




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