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Fábula brasileira
Rodolfo de Souza
24/03/2016 | 07:00
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Depois de muito sono perdido, debruçado sobre a velha prancheta pensada e construída só para traçar estratégias de caçadas, o gato mais caçador de ratos que já se viu na história recente deste país, permitiu que escapasse o maior, o mais robusto deles. Frustrou-se, então, mas não se deixou abater. Coçou os longos bigodes e refletiu. Aí, para consolo seu, de seu cérebro felino partiu a ideia de que devia haver um jeito. Meio vazia esta sua constatação, admitiu. Mas naquele momento, gabou-se de ser um gato enquanto o outro, somente um rato, e tratou logo de correr em busca de solução. Entusiasmou-lhe um pouco o fato de ter chegado tão perto desta vez! Mas o diacho da armadilha, que já estava preparada, falhou, momento em que o ratão, usando de toda a sua astúcia e ousadia, percebeu e fugiu pelos fundos do castelo. Ordinário! Teria, com certeza, se aproveitado da distração do porteiro do lugar, que nem sempre está no seu posto.

Inconformado, pois, com a fuga do rato mais gordo, cuja captura lhe traria louros de glória para o resto da vida, o gato xerife botou em prática a ideia que repentinamente teria tomado de assalto a sua mente aguçada, e determinou que os gatos subalternos se armassem de escutas para saber quais seriam os próximos passos do roedor que, segundo o entendimento do gato maior, desfruta de privilégios junto ao comando geral e que, certamente, naquela porta haveria de bater. O alto comando, afinal, parece que lhe quer muito bem e jamais lhe negaria acolhida.

A despeito de toda a inimizade natural dos gatos, contudo, é bom que se saiba que há uma legião de ratos e até de gatos a devotar todo o seu apoio a este que acumulou prestígio e, tudo indica, muito queijo. O suficiente para viver bem demais aqui nesta vida e na próxima encarnação também, por que não? A riqueza é mesmo de encher a boca e fica, segundo dizem, guardada a sete chaves em tocas de altíssimo padrão, muito aquém da compreensão do rato mortal comum, deste país de fadas e de bichos.

Há, todavia, uma infinidade de ratos graúdos, nata da sociedade do reino, que disputa com ele a fatia maior do queijo mais caro e que, por isso trocam acusações e rasteiras. Desejam de fato vê-lo pelas costas e, assim, seguem tramado contra ele todo o tempo. Aliam-se até aos gatos como forma de derrubá-lo e colocá-lo na gaiola.

Mas ele, o tal, é destemido, cobra criada! Ou melhor, rato criado, consciente, apesar de tudo, de que uma hora destas será alvejado pelo implacável veneno do gato maior ou, quem sabe, dos demais de sua espécie, ávidos para botar as patas no seu imenso queijo. Mesmo assim, não desiste. Intrépido, segue atropelando o adversário que tenta, a todo instante, colocar suas mãos sujas nas suas costas para empurrá-lo ladeira abaixo. Sempre de olho na sua gigantesca fábrica de queijos, claro.

Armam mesmo muitas ciladas para apanhá-lo, mas não conseguem. Não conseguem porque, como toda essa população de roedores sabe, é preciso mostrar o pau depois de matar a cobra. E parece que não há pau para mostrar. Somente conversa fiada, insuficiente para botá-lo na gaiola. E ele sabe disso. Então, liso como um sabonete, escorrega para cá e para lá, deixando tonto o inimigo desarmado.

É... O rato é esperto! Senão, não seria rato, ora!

* Rodolfo de Souza nasceu e mora em Santo André. É professor e autor do blog cafeecronicas.wordpress.com

E-mail para esta coluna: souza.rodolfo@hotmail.com. 




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