Cultura & Lazer Titulo
Mínimo essencial
Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
28/02/2007 | 20:49
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Com poucos traços ele mostra o essencial. Cássio Loredano, 58 anos, é um cartunista minimalista, e isso é mais do que uma rima primária. Seu traço casa com música na exposição de caricaturas Cássio Loredano – Uma Homenagem à Música Brasileira, na qual o mestre carioca desenha personalidades da MPB. A abertura é nesta quinta-feira no Teatro Fecap, em São Paulo, com entrada franca.

Em poucas linhas em preto sobre branco e tons de cinza, às vezes nem linhas há, é possível observar detalhes, gestos, posturas com tão poucos elementos. Simplicidade que não significa redução de importância desses nomes caricaturados, ao contrário. Loredano elimina o exagero estético típico da caricatura para mostrar mais com menos.

Em 18 painéis, surgem Pixinguinha, Ary Barroso, Noel Rosa, Heitor Villa-Lobos e outros. Eles aparecem com sutileza e interpretação da personalidade. Cartola não precisa mais que mãos para tocar o violão, pernas para apoiá-lo e os indefectíveis óculos escuros; o instrumento é apenas acessório. Assim como nos traços que revelam Tom Zé, nos quais o violão é uma extensão do próprio corpo. Olhos expressivos em conjunto com bigode e cavanhaque saltando da face elíptica, uma definição quase tomzeana.

Seu Paulinho da Viola sintetiza a alegria do samba num sorriso, e a sensibilidade que o músico transpõe para o instrumento. Para Loredano, as partes que formam o compositor popular são cabeça, mãos e viola. Gilberto Gil, sem a pompa e circunstância ministerial, cheio de graça numa caricatura que tanto expressa atitude de orgulho afro-brasileiro quanto mostra seu humor também – seria Gil um E.T. baiano refazendo o sul maravilha?

Basta um olhar para associar traço e ausência deste com a essência da personalidade do artista caricaturado. Deter o olhar pode revelar novas nuanças. Sem uma potência expressiva a ressaltar – carecas luzidias, dentes ou orelhas enormes, olhos esbugalhados – a caricatura de Loredano parte do mínimo, com uma certa malícia.

Antes dos músicos, foram escritores que ganharam forma com Loredano em 2002, no livro Alfabeto Literário (Capivara), em 300 desenhos de 250 autores e pensadores. Alguns encomendados por jornais como o espanhol El Pais, com o qual Loredano colabora há 20 anos, e Frankfurter Allgemeine, da Alemanha.

Carioca nascido em 17 de julho de 1948, Loredano viveu no Paraná, São Paulo e Minas Gerais antes de voltar ao Rio com 24 anos. <USmarini>Foi repórter antes de dedicar-se a caricatura. Seus desenhos chamaram atenção do artista gráfico Elifas Andreatto, que o indicou para o semanário Opinião, criado em 1972. Era o início de uma carreira que tem extensão na Europa, onde viveu cinco anos e meio na Alemanha, um na Itália, outro na Suíça, seis anos em Barcelona e um em Portugal. No Brasil, publicou nos jornais Pasquim, O Globo e Jornal do Brasil.

O trabalho de Loredano pode perfeitamente ser associado à obra de arte, inspirado nos desenhos clássicos que viu em sua passagem pela Itália, por exemplo. Sobre caricatura, Loredano crê que todo cartunista brasileiro deve a J. Carlos (1884-1950), que publicou pela primeira vez em 1902. Por isso, dedica-se desde 1995 ao inventário do artista gráfico com cinco títulos publicados e um sexto ainda por vir. No último deles, O Bonde e a Linha (Capivara, 2003), ataca de biógrafo também. Loredano já produziu cerca de mil desenhos para recuperar a obra de mestre. Sem perceber, também deixou discípulos em sua trajetória.



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