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Meninas em fúria
Juliana Ravelli
Do Diário do Grande ABC
21/11/2010 | 07:15
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Sabrina, 14 anos, do Distrito Federal, foi protagonista do caso de violência mais recente que ganhou repercussão pelo Brasil. No fim de outubro, a garota recebeu 22 cortes no rosto, cabeça e pescoço. As marcas foram feitas com a lâmina do apontador de lápis. O agressor era uma colega de classe da mesma idade. "Não éramos amigas, mas conversávamos."

Assim como tantos outros casos, a confusão começou por motivo fútil, culminando em briga na porta da escola. Sabrina conta que queria questionar o por que a outra garota tinha batido em seu primo. Na rua, a esperada conversa foi substituída por murros e pontapés.

Isso era fato isolado até poucos anos atrás. Agora as meninas começaram a entrar em confronto físico, como os garotos sempre fizeram, segundo Caren Ruotti, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP. Na opinião da professora Dagmar Silva Castro, pesquisadora da Cátedra Gestão de Cidades da Universidade Metodista, as garotas repetem um comportamento criado pela sociedade. "Começam a assimilar aquilo que foi socialmente imposto como regra para serem aceitas e respeitadas no grupo", explica.

As marcas no rosto de Sabrina vão sumir, mas ela certamente vai demorar para esquecer o que aconteceu. "Um amigo da menina puxou meu cabelo e me derrubou no chão. Ele segurou meu braço esquerdo. Com o direito, eu tentava empurrá-la. Pensei que ela estivesse me arranhando com as unhas", afirma. As duas receberam suspensão. A agressora não retornou à escola.

INTOLERÂNCIA - O que desencadeia tantas desavenças? Fofoca, ofensas, ciúmes e provocações. Gabriela*, 15, de Diadema, apanhou de sete meninas na saída da escola. O rolo teve início quando ela foi tirar satisfação com uma delas que ameaçava sua prima. Na bagunça, Gabriela perdeu o piercing do nariz. "A gente ainda se vê, mas uma nem olha na cara da outra", diz a garota, que já tinha se envolvido em brigas. Em nenhuma, porém, teve de enfrentar mais de uma agressora. "Guardo rancor. Só de pensar em como ela foi traíra."

Camila*, 14, de Diadema, apanhou de dez adolescentes. Um dedo da mão direita foi quebrado. No caso dela, no entanto, nenhuma das que bateram era conhecida. "Não sabia o motivo. Não tinha feito nada. Fiquei sem reação." Ela nunca mais viu as garotas. Mesmo assim, teme que a agressão se repita.

Agressores reproduzem atitude dos adultos

As meninas estão brigando mais, mas os garotos ainda são os campeões no envolvimento em confusões na escola e fora dela. Para se ter ideia da gravidade do problema, a violência é a segunda causa de morte de jovens do sexo masculino entre 10 e 24 anos no mundo, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde). Somente os acidentes de trânsito matam mais.

Mas por que essa geração está mais violenta? A resposta é muito complexa, segundo especialistas. Entretanto, é possível afirmar que os jovens e até mesmo as crianças estão reproduzindo a violência presente na sociedade. Afinal, os adultos, que deveriam ser a referência para os mais jovens e protegê-los, nem sempre cumprem esse papel.

E tem mais. Parte dos agressores já sofreu ou ainda enfrenta algum algum tipo de violência - física, psicológica ou emocional - em casa. "O adolescente é um ser em desenvolvimento, carente, que precisa de atenção e carinho. Muitos usam a violência para se impor na comunidade. Ser forte, para eles, é agredir o colega. Por isso, precisam de ajuda", explica Rosmari Lima da Silva, da Fundação Criança de São Bernardo.

OUTRAS VÍTIMAS - Colegas de classe não são as únicas vítimas da violência escolar. Professores também são frequentemente ameaçados e agredidos física e verbalmente. Em junho, uma professora do Rio de Janeiro teve um dos dedos da mão quebrado por um aluno de 13 anos. A agressão aconteceu depois que ela o obrigou a desligar o aparelho MP3 na sala de aula.

Além disso, o próprio patrimônio escolar é degradado pelos alunos que deveriam ajudar no cuidado. No caso das escolas públicas, é sempre bom lembrar que o cidadão paga o prejuízo.

Escola deve ser lugar de paz

A escola é o lugar em que as pessoas passam - ou pelo menos deveriam passar - a maior parte do tempo durante a infância e a adolescência. Há anos, seu papel principal já não é apenas o de ensinar a ler, escrever e calcular. Pai e mãe estão trabalhando e ficam muitas horas fora de casa. Por isso, é nesse espaço que os alunos aprendem lições valiosas, não só aquelas relacionadas ao conteúdo didático, mas valores para seu desenvolvimento humano.

Isso é transmitido, em geral, mas nem todos absorvem. No colégio, deveriam descobrir a forma correta de se relacionar com as pessoas, sem apelar para brigas para resolver problemas. Engana-se quem pensa que as confusões ocorrem apenas nas escolas públicas e em comunidades pobres. Há casos sérios de violência em instituições particulares, de acordo com Dagmar Silva Castro, da Universidade Metodista. "A diferença é que esses não aparecem nos jornais."

A pesquisadora Caren Ruotti, da USP, afirma que a escola seria ambiente seguro em que nenhum tipo de violência deveria ocorrer. Por toda a importância que tem, não dá para deixar que ela se transforme em campo de guerra.

É preciso entender que foi feita para as crianças e jovens e pertence a eles, segundo Rosmari Lima da Silva, coordenadora do Centro de Atendimento à Família da Fundação Criança de São Bernardo. Esse é um dos motivos pelos quais não se pode degradar o espaço; é como se estivesse destruindo a própria casa.

Uma das formas de mudar e melhorar o ambiente escolar é fazer com que a família e a comunidade sejam parceiras, aproveitando o espaço até mesmo para o lazer. "Tem de aproximar os pais de forma positiva. Não chamá-los apenas quando ocorre algo errado com os filhos", diz Caren.

Há punição para os casos

Os agressores adolescentes, em geral, têm baixo nível de tolerância e falta de paciência. Mas ninguém simplesmente nasce assim. A maioria não tem regras e limites em casa. "Às vezes, há inversão de valores. Os filhos é que mandam nas mães", explica Rosmari Lima da Silva, da Fundação Criança de São Bernardo.

A coordenadora do Centro de Atendimento à Família trabalha com jovens que se envolveram em casos de agressões. Eles têm de participar de reuniões semanais do Programa Parceria na Construção de Cultura de Paz no Ambiente Escolar, mais conhecido como Força Tarefa, que vem se tornando referência no Brasil. Nele, a turma recebe orientação de educadores e aprende a importância do respeito, das regras, dos limites e de se colocar no lugar do outro.

Nem todos os agressores são encaminhados para projetos desse tipo. Na escola, o resultado, em geral, é a expulsão ou suspensão, em situações menos complicadas. Em casos graves, os adolescentes podem até mesmo ser encaminhados pelo juiz para a Fundação Casa (antiga Febem) ou ter de cumprir medidas socioeducativas, como prestar serviços à comunidade.

Palavra também machuca!

Xingamentos e ameaças também são violência e causam tan-to sofrimento quanto a porrada. A dor é diferente, mas também é capaz de destruir a auto- estima e a felicidade da vítima. Além disso, as ofensas podem resultar em confrontos físicos. As irmãs Natália*, 12 anos, e Cristina*, 11, de São Bernardo, estão exaustas de lutar contra vários tipos de agressões feitas por colegas na escola. Na opinião dos pais, as meninas são hostilizadas por serem diferentes da maioria dos colegas. Têm epilepsia, são ótimas alunas e evangélicas.

Desde que se mudaram de bairro, há um ano, os conflitos se estenderam para a casa das garotas, que chega a ser apedrejada por adolescentes. Por isso, elas não convivem com ninguém da idade delas. Passam o dia dentro dos pequenos cômodos da residência. As únicas diversões são bonecas, videogame, quebra-cabeça e dois cachorrinhos de estimação. "Me xingam e xingam minha família. Quero mudar daqui e ter amigos", afirma Cristina.

O bullying - comportamento agressivo, repetitivo e intencional cometido contra alguém sem motivo aparente - deixa as crises epilépticas mais frequentes e impede que as irmãs tenham socialização saudável. "A agressão psicológica faz muito mal pra gente", diz Natália.

REPETIÇÃO - Depois de ter sido arranhada pela lâmina de apontador, Sabrina, 14, agora tem de enfrentar a gozação dos colegas que dão apelidos maldosos. "Eles me ofendem e dizem que estão brincando. Isso me incomoda, mas tento me controlar."

O bullyng pode provocar doenças como depresão, anorexia e bulimia. Em casos mais sérios, pode motivar vingança e suicídio. No Brasil, a agressão é considerada infração pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Os pais de quem tem menos de 18 anos podem ser responsabilizados criminalmente. Os jovens agressores têm de cumprir medidas socioeducativas.

 




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