Setecidades Titulo São Bernardo
Conflito escancara abandono
Nelson Donato
Especial para o Diário
04/02/2016 | 07:00
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O cenário de guerra no Parque São Bernardo após confronto entre manifestantes, GCM (Guarda Civil Municipal e PM (Polícia Militar), na terça-feira, foi substituído ontem pela precariedade característica do local. Reféns do abandono, moradores sobrevivem à espera das obras de urbanização. Em várias vias, o esgoto corre a céu aberto e tubulações improvisadas têm vazamentos. O mato alto se espalha e há descarte irregular de lixo.

Apesar da precariedade, há esperança do sonho da casa própria. Porém, durante a ação truculenta dos guardas-civis, o construtor civil Valdir Pereira dos Santos, 49 anos, viu sua moradia recém-erguida ser destroçada. “Quebraram as paredes, nem viram se tinha alguém em casa.” Sem lugar para morar, ele conta com o apoio dos vizinhos. “Amigos me chamaram para ficar na garagem. Até as telhas quebraram para não reutilizá-las.”

Segundo Rakyllayne Rios, 29, os moradores criarão comitê para evitar que episódios parecidos se repitam. “Buscaremos líderes locais e o apoio de movimentos sociais.”
A família de Mário Joab Bessa, 31, vivencia o drama de não ter lugar digno para morar. Desempregado, ele divide barraco parcialmente demolido com mais sete pessoas, sendo quatro crianças. “Eu e minha mulher morávamos em uma casa, mas, quando perdi o emprego, não consegui mais pagar aluguel. Agora minha mulher trabalha e cuido das nossas filhas até ela chegar. Então vou procurar trabalho.”

As condições do imóvel chocam. Logo na entrada, duas vigas de madeiras formam ponte sobre o esgoto. Há grandes buracos na lateral do barraco. Dois quartos são divididos entre oito pessoas.
Outro motivo de reclamação é a falta de asfalto nas ruas. Na 26 de Março, penduraram faixas dizendo que enquanto não houver asfalto não votarão nos políticos.

A Prefeitura informou que o projeto de urbanização integrada do Parque São Bernardo, Alto da Bela Vista e primeiro trecho do Novo Parque beneficiará 3.195 famílias. A ação já produziu e entregou 584 unidades habitacionais. Serão produzidas mais 170, totalizando 754 moradias. O investimento é de R$ 107 milhões, oriundos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). A previsão de término é para dezembro.

MARCAS

A ação truculenta na terça-feira deixou moradores revoltados. Alguns gravaram vídeos que mostram o momento exato em que um guarda-civil joga spray de pimenta nos olhos de populares sem motivo, uma vez que, naquela altura, havia apenas diálogo. Outra marca da violência foi a grande quantidade de restos de bombas de gás lacrimogêneo. “Eles as jogavam dentro das casas”, diz Lucilano Lobo da Silva. Ele também conta que guardas-civis ameaçaram tomar o celular de quem registrava a ação.

Embora a Prefeitura afirme que a ação desmontou barracos desabitados, os munícipes contestam. Para especialistas, a situação exigia mandado de reintegração de posse, solicitado pela população à GCM. A ausência teria motivado o início do conflito. “Teria que ter ordem judicial. As pessoas precisam de prazo para sair”, fala o professor de Direito Constitucional e Público da USCS (Universidade Municipal de São Caetano) Antonio Celso Baeta Minhoto. A professora Lilian Gabriel Moreira Pires, especialista em Direito Urbanístico e Administrativo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, também frisa a necessidade do documento. “Se estava sendo usado como moradia, o correto é fazer a retirada com mandado.”

Não houve uso de munição letal, afirma comandante


O comandante da PM (Polícia Militar) no Grande ABC, coronel Marcelo Cortez Ramos de Paula, afirmou ontem, em entrevista ao Diário, que integrantes da corporação não usaram munição letal durante ação no Parque São Bernardo, na terça-feira.

Segundo o comandante, a prioridade dos policiais militares que participaram da operação era proteger a população. “Um tiro com munição letal foi efetuado na direção de uma das nossas guarnições, mas em nenhum momento revidamos, uma vez que havia civis por perto e não sabíamos de onde o disparo havia sido feito”, garantiu o coronel.

O comandante também afirmou que em nenhum momento tiros foram disparados na direção da equipe de reportagem do Diário, que acompanhava os desdobramentos do conflito no local, iniciado após a GCM (Guarda Civil Municipal) não conseguir conter grupo de manifestantes que protestavam contra a ausência de mandado de reintegração de posse para remoção de moradias. “Tenho certeza que nenhum dos meus homens fez isso. Mesmo com a utilização da munição de borracha é preciso mirar, ninguém pode atirar a esmo.”

A PM ainda afirmou, em nota, que “se pauta pelo uso moderado, escalonado e proporcional da força, o que se vê demonstrado pelo uso de equipamentos não letais.”

Procurado na terça-feira, o comandante disse que a corporação fez uso proporcional da força, já que teria sido recebida com hostilidade pelos manifestantes. Ainda conforme o coronel Cortez, a PM não participou do planejamento da ação, organizada pela Prefeitura com o apoio da GCM.  




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