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‘Lei de mananciais é draconiana’, diz Maurícioi Soares
Gilberto Bergamim Jr
Do Diário do Grande ABC
04/03/2001 | 20:36
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O prefeito de São Bernardo, Maurício Soares (PPS), afirmou que a “verticalização” das favelas formadas nas áreas de mananciais em torno da represa Billings é hoje a única forma possível de resolver o problema de habitação e de degradação do meio ambiente nessas regiões. O prefeito ressaltou, no entanto, que seria necessário uma reforma na Lei de Mananciais, que ele classificou como “draconiana” (excessivamente rigorosa) para que fosse possível resolver a problemática habitacional nas áreas de proteção ambiental, as quais representam 60% do território da cidade. A fórmula ideal para o fim da degradação, segundo ele, seria tirar todos os moradores dessas áreas: “Me arrumem R$ 2 bilhões ou R$ 3 bilhões para que isso se torne possível.” Segundo o prefeito, financiamentos da Caixa Econômica Federal poderiam permitir a viabilidade de projetos do gênero. A construção de condomínios de luxo nessas mesmas áreas,que abrangem os bairros Demarchi, grande Alvarenga, Batistini, entre outros, também é uma idéia bem vista pelo prefeito. Leia a seguir trechos da entrevista concedida por Maurício ao Diário.

DIÁRIO – O que fazer hoje para iniciar um novo processo de reurbanização das favelas em áreas de manancial do município? Como seria essa criação de condomínios?

MAURÍCIO – A história de condomínios em áreas de manancial é antiga e existe a possibilidade legal desde 1973. O grande problema não é ocupar o manancial, mas como ocupar o manancial. O parcelamento do solo é o grande problema. Você pode parcelar e vender glebas, mas há metragens mínimas a serem obedecidas. Conforme a agressividade do empreendimento não pode simplesmente fazer o projeto. Mas, principalmente, para condomínios habitacionais, é amplamente permitido, tomando os devidos cuidados com o meio ambiente. Temos de ter aprovação da Prefeitura, e também da Secretaria Estadual do Meio Ambiente.

DIÁRIO – Mas como funcionaria isso frente à Lei de mananciais?

MAURÍCIO – A Europa, principalmente Suíça e Itália, com suas áreas montanhosas, elas são um grande manancial. Essas regiões montanhosas, onde existem geleiras e picos nevados são todas áreas ocupadas, só que não por favelas e moradias precárias. Nessas áreas eles fazem aquilo que nós chamamos de desenvolvimento sustentado. Eles desenvolvem o turismo com hotéis, clínicas, casas de repouso e a indústria da pesca. Agora, aqui, nós temos uma lei draconiana. É proibido quase tudo. O resultado disso é que tudo aconteceu da forma errada. Se tudo fosse feito de forma mais racional, aquela área seria ocupada e garantiria desenvolvimento, moradia, a manutenção de florestas e a limpeza da represa (Billings). Como eu vou ocupar uma área de manancial (60% da cidade, segundo o prefeito) se eu não posso fazer o tratamento de afluentes no local, tenho de transferir para a rede de esgoto normal da cidade e aí vai para um rio. Aí pode. Você tem de fazer uma despesa muito maior do que construir lá uma estação de tratamento, bombeando aquele esgoto trazendo para a rede normal da cidade. Quando a nossa lei de manancial for mudada, o que talvez aconteça ainda neste ano, tudo indica que vão permitir o tratamento de esgoto no local.

DIÁRIO – Qual o problema com a lei?

MAURÍCIO –Aqui, de acordo com nossas leis, tratar o esgoto não pode, mas despejá-lo direto na represa a céu aberto pode. Nem canalizar podemos, sendo que jogar esgoto pode, quer dizer, é uma hipocrisia contra a qual nós temos lutado. O que o município gasta com o tratamento de verminoses dos moradores das áreas de manancial é uma glória. Só que você cuida de um menino, por exemplo, dá os remédios, cura e ele vai lá e pisa de novo no esgoto a céu aberto. É uma incongruência, não faz sentido nenhum. Agora com uma nova lei, se busca fazer o tratamento lá. Vai ficar caro? Vai, mas precisa tratar. Uma segunda maneira de resolver isso seria aprovar uma lei, nem que seja de emergência, para excepcionalmente deixar verticalizar só para tentar corrigir o que está mal feito. Pegamos o caso do Falcão (Jardim Falcão), que pelas contas da Promotoria de Justiça tinha umas cem famílias lá. Então, já que não há como existir moradias horizontais lá, fazemos umas torres. Levantamos cinco ou seis prédios lá, abrigamos todo mundo e no resto da área faríamos um trabalho de preservação, replantio e o esgoto você trata ali também. Isso são coisas que os “radicais” não aceitam, pois eles só querem a solução ideal, aquela que seria o máximo dos máximos, ou seja, teria de tirar aquele povo todo de lá. Mas vamos por aonde e com que dinheiro? Só em São Bernardo são 160 mil pessoas. Então, em vez de você chegar a uma solução ideal, pode-se chegar no que é possível. Permita verticalizar. Assim eu acomodaria todo mundo lá no Falcão mesmo.

DIÁRIO – Verticalizar essa área seria realmente possível?

MAURÍCIO – Sim. Se forem feitas até dez torres vai sobrar família. Agora, no restante da área teria de ser feito algo como um parque ecológico, por exemplo.

DIÁRIO – Dá para transformar esta idéia em projeto?

MAURÍCIO –Dá para fazer isso não só no Falcão, mas em qualquer favela em área de manancial. Há verba do governo federal para isso. Se tem um setor que tem dinheiro no governo federal é o de Habitação. Há também sistemas de formação de cooperativas, que permite aos próprios moradores construírem suas moradias e pagá-las em 25 anos.

DIÁRIO – O senhor comentou anteriormente sobre condomínios de luxo. Como seria?

MAURÍCIO – Podemos abrir loteamentos de condomínios de luxo. Por que não? Podemos sim. A pessoa pode pagar por terrenos de 500 metros, mil ou 2 mil metros e quer morar lá (regiões de mananciais), porque não há lugar melhor para morar, isso pode ser feito.

DIÁRIO – Em que bairros isso poderia ocorrer?

MAURÍCIO – Do bairro Assunção para frente. Isso poderia ocorrer sem dúvida nenhuma. Esses condomínios de luxo seriam obrigados a cuidar dos afluentes, não vai mais despejar esgoto in natura na represa. O que precisa é de um choque de lucidez dentro das áreas de manancial, não só aqui em São Bernardo, mas em todo lugar. São Bernardo não tem mais terreno disponível fora dessas áreas (de mananciais). Em área urbana não há mais. A idéia que nós estamos trabalhando para influenciar numa nova lei de manancial pode ser realizada. Agora, precisa de um choque de lucidez. Não se pode proibir tudo. Proíbe, proíbe, mas, se não tiver também um fiscal para cada loteamento, não adianta.

DIÁRIO - O que faltaria, então, é a permissão da lei para que, por exemplo, mais favelas possam ser reurbanizadas com a verticalização?

MAURÍCIO – Se a lei permitir, sim. A lei pode até começar pela proibição, porém, colocando como ressalva as situações excepcionais para regularização, caso em que a Prefeitura coloque um projeto bem fundamentado e submetê-lo à Secretaria Estadual de Meio Ambiente e pronto. Precisa mexer na lei para poder regularizar.

DIÁRIO – E no caso dos condomínios de luxo?

MAURÍCIO – Esse já é possível desde agora. Para esse caso não precisa rever a lei, basta que se apresente um projeto em que se cuide dos efluentes para poder aprová-lo. Estando dentro das normas de parcelamento e uso do solo e que não implique em desmatamentos, tudo bem.

DIÁRIO – Já há alguma conversa da Prefeitura com empreiteiras, mesmo que informalmente?

MAURÍCIO – Se conversou, mas não se concretizou. Já tem um condomínio no bairro Demarchi, que é na entrada de uma área de manancial. Tem muita área desocupada, particular ou da Prefeitura. Reclamaram antes que o imposto era caro, tanto que fizemos uma lei nesses casos abaixando os impostos em até 80%, que é o chamado imposto verde. A área que se preservar coberta de mata, não paga o imposto. Eu acho que liberaríamos. Já imaginou, morar numa área da represa, arborizada, em condomínios fechados, com segurança? Seria ótimo, pois a represa não tem mais aquele mau cheiro. Antes ela tinha, mas hoje não se despeja mais esgoto como antes.

DIÁRIO - Condomínios de luxo e verticalização. Ambos podem virar projeto?

MAURÍCIO –Verticalização é mais no sentido de regularizar a situação já consumada. Se há uma favela dentro do manancial, você não pode mexer nela, não pode por rede de esgoto, não pode construir casas. Agora, que jeito vamos regularizar? Chamando a promotora pública para a assinatura de um termo de ajustamento de conduta, em que a Prefeitura terá suas obrigações junto à comunidade.

DIÁRIO – Então, se a Lei de Mananciais passar por algumas reformas o projeto de verticalização pode virar projeto?

MAURÍCIO – Pode, claro. A lei prevê concessões e a regra geral pode ficar como está, proibindo a habitação nessas áreas. Mas deve haver essa ressalva, dizendo que, excepcionalmente, em função de resolver o problema de degradação e o habitacional e dependendo de um projeto para ser aprovado, permitir a verticalização. Assim resolveríamos a grande maioria dos problemas nas áreas de manancial. Há grandes dificuldades, porque a gente ocuparia uma área de terreno muito menor e o resto ficaria para que você cumprisse a lei, mantendo as metragens. Se de uma área de 100 mil metros você ocupa 20 mil metros, os outros 80 mil metros, você preserva. É o ideal? Não, mas acredito que seja possível.

DIÁRIO – O que seria o ideal?

MAURÍCIO – Tirar todo mundo de lá e recuperar as áreas degradadas. Se me arrumarem R$ 2 bilhões ou R$ 3 bilhões, eu tiro todos de lá.

DIÁRIO – E a Prefeitura, quanto gastaria com a verticalização das favelas nessas áreas de manancial?

MAURÍCIO –A Prefeitura não gastaria nada. A única coisa que podemos fazer lá são as estações de tratamento de esgoto. Já a construção dos predinhos seria com financiamento da Caixa Econômica Federal, que tem dinheiro para isso.




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