A persistência foi uma prova de fogo graças à preciosa herança familiar. Clara é filha do ator Walmor Chagas que, prestes a completar 70 anos, estréia na direçao musical justamente no show desta segunda; e de Cacilda Becker, uma das maiores atrizes da história do teatro brasileiro. A tradiçao indicava-lhe a dramaturgia nos palcos, mas, se realmente participou de algumas peças, Clara sabia que atingiria a plenitude quando se transformasse em cantora.
"Foram diversas fases de transformaçao, de amadurecimento, até chegar a esse show", comenta a cantora que, como se fizesse uma particular leitura musical, escolheu detalhadamente o repertório. Escolheu 20 músicas de grandes compositores brasileiros, como Chico Buarque ("As Vitrines", "A Gente Vai Levando", "Até Pensei"), Lupicínio Rodrigues ("Volta") e Fátima Guedes ("Absinto"). Convidou o pianista Júlio Ricarte e, sob a orientaçao de Walmor, planejou o show, ensaiando em Guaratinguetá, cidade onde mora com o pai, desde 1994.
"Pretendo mostrar as diversas facetas do amor", explica Clara, encontrando ainda um significado especial nas músicas. "Cada cançao remete a algum momento da minha vida." Como, por exemplo, a composiçao que escolheu para o bis, uma das duas únicas nao-brasileiras (a outra, O Doux Visages Que J'ai tant Aimé, é do francês Michel Legrand): "As Time Goes By", tema imortalizado no filme "Casablanca". "Era também a cançao que marcava uma cena representada por Walmor e Cacilda", comenta.
Voz tímida - Clara iniciou aulas de canto quando estava
com 18 anos, mas, apesar da bela voz, enfrentava os problemas de
timidez. "Tinha o incentivo dos meus pais, mas nao estava certa
se esse era meu dom", lembra. Aos 24, profissionalizou-se e,
incentivada pela ousadia do pai (que vendeu praticamente todos
os seus bens para investir na construçao do Teatro Ziembinski,
no Rio), estreou na carreira de atriz.
Participou das principais montagens patrocinadas por
Walmor Chagas, como "Prezado Amigo", em 1989, e Retrato Falado
no ano seguinte. Em "Prezado", espetáculo inspirado na
correspondência trocada entre Mário de Andrade e Carlos Drummond
de Andrade, descobriu o escritor paulista e suas pesquisas
folclóricas. "Foi quando me encantei com a cançao "Viola
Quebrada", escrita pelo Mário e inspirada em "Catulo da Paixao
Cearense", conta Clara, que decidiu incluir a música no show.
Trata-se, aliás, do único momento em que canta e toca violao.
Quando se preparava para encenar duas peças inspiradas
em Machado de Assis, no início da década, Clara interrompeu suas
atuaçoes dramáticas. "Eu simplesmente temia que minha carreira
de atriz fosse mais importante que a musical", explica. Decidiu
nao participar mais de nenhum espetáculo. A freada era
necessária para que a cantora retomasse seus estudos sem sofrer
pressao ou cobrança: "Precisava realmente fazer um balanço da
minha vida."
Enquanto se preparava, Clara investiu no cinema,
tornando-se produtora dos filmes "Ed Morte", de Alain Fresnot,
e "Um Céu de Estrelas", de Tata Amaral. Aos poucos, vencia a
timidez e adquiria confiança. Escolheu algumas músicas de
compositores brasileiros e fez pequenas apresentaçoes em bares
do Rio e para amigos, em Porto Alegre. "Foram pequenos testes,
em que eu avaliava minha voz e a reaçao da platéia", lembra.
Informantes - Depois de incentivada por músicos como
Hermeto Paschoal, decidiu fazer um show, que estreou no Rio, no
ano passado. Ainda insegura quanto à sua atuaçao, pediu ao pai
que nao fosse assistir. "Ele realmente nao foi, mas enviou
informantes como as atrizes Itala Nandi e Camila Amado",
diverte-se. O veredicto positivo convenceu-a a cantar em Sao
Paulo.
Convidou Fauzi Arap para a direçao, que acabou nao
assumindo por ter outros compromissos. Mas deixou dicas, como a
escolha de um teatro intimista e o acompanhamento limitado ao
piano. "Já me sentia plena e decidi convidar o Walmor para
dirigir porque ele acompanhou todo o amadurecimento da minha
carreira e saberia escolher a forma mais adequada", conta. O
ator, radiante com a proposta ("Realmente eu esperava pelo
convite"), preocupou-se com detalhes, orientando a cantora a
utilizar seus dotes dramáticos na execuçao das músicas.
Preocupou-se em acertar uma linha dramática ao
espetáculo, orientando colocaçao e iluminaçao. Walmor só nao
participou da escolha das músicas. "Eu fiz a seleçao sozinha,
primeiro com 60 cançoes que, depois de um processo sentimental,
chegaram a 20", conta ela. "Escolhi músicas que foram
importantes em minha vida."
Clara também se decidiu pelo pianista Júlio Ricarte, que
participa de shows principalmente no Vale do Paraíba. "Além de
ser um excelente músico, Júlio revelou ter a sensibilidade que
eu julgo necessária para o espírito do show", explica a
cantora.
A experiência foi plenamente positiva. "Senti que estou
pronta para seguir carreira", confessa Clara, que vai usar
figurinos de Caio da Rocha, responsável pelos modelos utilizados
em um desfile em homenagem a Cacilda Becker. A mesma sensaçao de
liberdade, aliás, sentida por Walmor. "Ela, finalmente, se
desvencilhou da minha figura e agora está segura para construir
sua carreira", comentou.
Além da temporada do show, Clara preocupa-se em cuidar
dos detalhes da gravaçao de um CD com músicas românticas
brasileiras. Por enquanto, nao pretende acrescentar nenhuma
composiçao própria. "Até compus algumas cançoes", conta. "Mas
quero um pouco mais de tempo para avaliar."
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