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Morre o artista da arquitetura José Zanine Caldas
Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
21/12/2001 | 19:26
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A arquitetura tropical tem uma dívida com José Zanine Caldas, morto quinta-feira, aos 82 anos. O estilo surgiu a partir de suas criações artísticas com madeira, ponto de partida de seu notório fazer e material principal do artesão que explorava a natureza aproveitando o que existia na região, da matéria-prima à mão-de-obra.

Zanine seria enterrado nesta sexta, no cemitério São João Batista, em Botafogo, no Rio. Estava em Vitória (ES), onde morreu devido a complicações decorrentes de um tumor no intestino. Era chamado de artista da arquitetura por uma questão corporativa entre arquitetos, já que ele nunca cursou faculdade, embora tenha lecionado na Universidade de Brasília, no Rio e em Grenoble, na França, já mais velho. Nascido em Belmonte, sul da Bahia, desde criança se revelou um apaixonado por construções, madeira e serrarias.

Filho de um médico, com 13 anos começou a fazer pequenos presépios com caixas de papelão em Pitangueiras (SP), onde a família morou entre 1928 e 1936. Autodidata, depois de um curto período em que teve aulas de desenho foi para São Paulo, onde conseguiu emprego como desenhista em uma construtora. Tinha pouco mais de 20 anos quando se mudou para o Rio, para abrir um escritório de maquetes.

Zanine revolucionou o ofício, ao utilizar materiais antes descartados, como madeira e isopor, no lugar do gesso. Foi assim que conheceu expoentes do modernismo como Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, Alcides da Rocha Miranda, para os quais fazia miniaturas de seus projetos nos anos 40.

Rocha Miranda o levou para a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, para comandar o Departamento de Maquete nos anos 50. Em 1958, estava com Lucio Costa e Niemeyer na construção de Brasília. Viveu na capital federal até 1964, quando fugiu da repressão política ao ser cassado como professor universitário – era membro do Partido Comunista.

Depois de perambular pelo país, morou no Rio, na Barra da Tijuca, mas seu desejo era viver em uma casa. Fez a primeira construção em Joatinga, litoral sul do Rio, utilizando exclusivamente madeira. A partir do fim dos anos 60, apareceram outras casas zaninianas no Rio, Recife, Brasília, Salvador, Nova Viçosa (BA), onde morou, além de Guarapari (ES) e Domingos Martins (ES).

Por não ter formação acadêmica, não podia assinar os projetos, problema resolvido pelos amigos arquitetos. Em 1989, o Museu do Louvre, em Paris, expôs maquetes e móveis concebidos por Zanine. Durante 40 dias, seus trabalhos foram mais visitados do que as obras de Picasso nas salas ao lado.

No Brasil, sua genialidade conquistou admiradores como Tom Jobim, que compôs a trilha sonora para um documentário sobre seu trabalho, em 1976. O compositor, aliás, em determinada época, só concedia entrevistas para a TV se fossem realizadas em uma casa feita por Zanine.

Suas construções não ficaram isentas de críticas. As mais comuns eram a falta de acabamento interno, pouca funcionalidade, durabilidade da madeira, cupins etc. E Zanine as rebateu: “As pessoas precisam entender o que é uma arquitetura rústica”, “me preocupo com decoração, pois a pessoa que vai morar determina como quer banheiros ou cozinha; o acabamento faço até com ouro, senão uso material de demolição”, “madeira bem tratada pode durar séculos; existem estudos que apontam que construções de concreto não durarão 200 anos”.

O pensamento de Zanine pode ser resumido na frase que costumava repetir: “Mais importante do que o notório saber é o notório fazer”.




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