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Livro conta a história dos papas
João Marcos Coelho
Especial para o Diário
10/08/2003 | 17:22
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A mais sólida instituição do Ocidente ganha, em O Livro de Ouro dos Papas (Ediouro, 352 págs., R$ 49), uma obra fundamental que conta não só a história dos 263 papas ao longo de dois milênios, mas a própria história da Europa vista da Itália, onde se situa o Vaticano, cidade-estado sede do papado. Em oito artigos extensos a cargo de especialistas, contam-se em detalhes as origens do pontificado, as relações entre papas e imperadores, a monarquia pontifícia, o pontificado renascentista, o período da Reforma protestante e a Contra-Reforma católica, a emergência do pontificado moderno, o papado no século XX, além de uma introdução e o pósfacio Rumo ao próximo milênio, assinados pelo historiador inglês Paul Johnson, 73 anos, coordenador do livro que chega esta semana às livrarias.

Frei Betto, assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, assina um prefácio que começa teológico e termina político. “As análises históricas revelam, com muita acuidade, que os papas eram seres humanos como todos nós, sujeitos a pecados e fraquezas, dúvidas e erros, ambições e iras. Talvez por isso Jesus tenha tido o cuidado de escolher para cabeça de seu grupo de apóstolos, não o mais firme entre eles, mas Pedro, um homem de caráter vacilante”. Ele detecta aí a singularidade do cristianismo, “uma religião de pecadores, e não de santos, e que funda a sua fé na misericórdia de Deus. A Igreja é, pois, a única instituição que, neste mundo competitivo da ‘qualidade total’, convoca, para nela ingressar, não os ‘melhores’, mas os ‘piores’, os pecadores”.

O caráter ambíguo do conceito da infalibilidade papal e a natureza política do papado não são negados. Pelo contrário, são reafirmados: “O dogma da infalibilidade papal, decretado por Pio IX, no século XIX, não significa que o pontífice esteja isento de pecado e erro. Porém, quando ele se manifesta ex cathedra sobre questões de fé e moral, como portador das chaves entregues a Pedro por Jesus, não resta aos fiéis senão acatar”, diz Frei Betto. Mas ressalva: “Isso não quer dizer que Roma, tendo falado, o assunto está encerrado (...). A fé é um dom da inteligência, e à razão cabe indagar sobre o seu conteúdo. Esta é a função do teólogo, que cuida de atualizar a doutrina perene, contextualizando-a e inculturando-a”.

Do lado político, explica Frei Betto, “tal como foi concebida ao longo dos séculos, a estrutura do papado é bem mais tributária do Império Romano (o papa seria o imperador, e seus cardeais o senado) que do colégio apostólico descrito no Evangelho”. Daí a nociva aproximação da Igreja com a nobreza e afastamento da plebe, “ao contrário do que fez Jesus”, diz ele. “Daí a reação, na América Latina – o continente com maior número de católicos –, das Comunidades Eclesiais de Base e da opção pelos pobres apregoada pela Teologia da Libertação”.

A condenação, por João Paulo II, do “neoliberalismo, o modelo vigente de globalização e a agressão dos Estados Unidos ao Iraque, em 2003”, quando o papa se “penitenciou do apoio tácito concedido em 1991”, é acentuada por Frei Betto, que conclui: “Hoje, católicos e pessoas de diferentes crenças, incluindo ateus, orgulham-se ao ver, à frente da Igreja de Roma, um homem como João Paulo II, que abandonou os muros do Vaticano e, ao longo de um quarto de século, percorreu 130 países, visitando mais de 600 cidades. Poeta e dramaturgo, jamais cedeu às pressões para romper relações diplomáticas e pastorais com a Cuba de Fidel, a Líbia de Kadafi e o Iraque de Saddam”.

Nem sempre, porém, os papas corresponderam de modo tão magnífico à “liturgia do cargo”, diria o renomado romancista maranhense, mais conhecido como ex-presidente da República e atual presidente do Senado José Sarney. O livro coordenado pelo irrequieto, erudito e inteligente, além de politicamente conservador e católico praticante – Paul Johnson, mostra casos como o de Gregório Magno (590-604), “filho de senador, prefeito da cidade, rico o suficiente em terras para fundar e dotar sete monastérios. Dali por diante, muitos foram os pontífices oriundos de famílias latifundiárias”.

Curiosamente, Johnson não pratica neste livro uma de suas características mais interessantes e que lhe deram fama de destruidor de reputações: é daqueles que costumam fazer as perguntas mais incômodas – e as responde com competência e adequação. Um de seus livros mais provocadores, Os Intelectuais, foi traduzido para o português anos atrás, mas passou desapercebido. Quem sabe porque Johnson cotejava ali vida e obra de homens como nós. Na obra, sobre os grandes pensadores da História, conferindo se luminares como Rousseau aplicavam em sua vida pessoal os conceitos que forjaram em suas teorias. Os resultados foram estarrecedores: Rousseau, pai da moderna teoria da educação, teve filhos bastardos com empregadas cuja paternidade negou e sequer quis ser apresentado a eles, mandando-os para orfanatos.

É uma surpresa que n’O Livro de Ouro dos Papas, Johnson esteja comedido ao extremo. “No cômputo geral”, admite a contragosto, “e apesar de alguns indivíduos fracos como Alexandre VI e um ou dois períodos mais negros, sobretudo o século X, os papas têm sido homens sérios, santos, devotos e bem-intencionados”.




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