Setecidades Titulo
Ensino superior cresce, mas com problemas
Deborah Moreira
Do Diário do Grande ABC
12/09/2010 | 07:18
Compartilhar notícia


A expansão do Ensino Superior no País, promovida pelo MEC (Ministério da Educação) a partir da década de 1990, levou a mercantilização das instituições com fusões que resultaram em gigantes da Educação, inclusive, com abertura de capital na Bolsa de Valores.

A educação como uma forma de negócio traz seus efeitos - alguns benéficos e outros nem tanto - e a mudança também vem sendo sentida no Grande ABC, onde cursos e instituições pipocam. Mas no mesmo ritmo, crescem problemas e reclamações, que incluem desde a qualidade do ensino até cobranças e restrições indevidas.

Como as impostas ao estudante de Administração da UniABC (Universidade do Grande ABC) Luciano (nome fictício), 18 anos. Vendedor de carros, ele pretende melhorar seus rendimentos com a graduação. Há dois meses, porém, não conseguia pagar a mensalidade de R$ 560 e estava impossibilitado de assistir algumas aulas dadas à distância, via Internet, e seu nome havia sido excluído da lista de presença. "Dependo de comissão e nesses dois meses foi muito fraco. Mesmo assim, continuei frequentando e fazendo os trabalhos", declarou Luciano, que conseguiu negociar nesta semana sua dívida em torno de R$ 1.000.

Já Priscila Cavalcante Villaverde, 19, nem conseguiu cursar a tão sonhada faculdade de Psicologia e já está tendo dor de cabeça. Empenhada em se dedicar aos estudos, pediu demissão do cargo de auxiliar de escritório em uma empresa próxima de sua casa, em Ribeirão Pires, no dia 31 de julho para iniciar o curso em 2 de agosto na UniA Anhanguera. As aulas, no entanto, foram adiadas para 16 de agosto. "Tivemos aula normal. Mas, no dia seguinte, eu e mais 27 alunos fomos comunicados por um coordenador que não haveria a turma por não ter o número mínimo de alunos. Estou perdendo o semestre e não tive os valores devolvidos", explicou Priscila. Indignado, seu pai, Benígno José Villaverde, 59, contratou um advogado para entrar na Justiça com ação por danos morais e materiais.

"Eles querem que minha filha assine um documento dizendo que foi ela que desistiu da matrícula, o que não é verdade. Eles que comunicaram o fim da turma dois meses depois da matrícula feita, o que fere o contrato. Além disso, só devolverão a mensalidade, mas não a matrícula. No entanto, me mandaram boleto de setembro", declarou Benígno, que já pagou cerca de R$ 900 pela matrícula e mensalidade.

Diversos alunos da mesma instituição foram ouvidos pelo Diário e afirmaram que, em caso de débito, há restrição para entrar no local e o nome é excluído da lista de presença. "Precisei ir ao Procon para regularizar a situação. Era impedida até de fazer prova", declarou uma estudante de Pedagogia, que preferiu não se identificar com receio de represália.

Em nota, o Centro Universitário Anhanguera de Santo André, que comprou a UniA (Instituto de Ensino Superior Senador Fláquer de Santo André) em 2007, afirmou que entrará em contato com os estudantes, tomará as devidas providências e se dispõe a esclarecer dúvidas. Já a UniABC não retornou.

 

Número de cursos triplicou em dez anos
Para alunos e especialistas ouvidos, a proliferação de cursos está afetando a qualidade do ensino. Em todo o Estado são 6.307 cursos, segundo dados do Censo da Educação Superior divulgado em 2009. O número, referente a 2008, triplicou em dez anos - em 1998 eram 1.813.

"Quando se fala em mercantilização do Ensino Superior também está implícito a queda da qualidade do ensino e do serviço. A expansão dos cursos de graduação foi uma exigência do Banco Mundial para os empréstimos ao País. Para o banco, é mais importante que haja mais pessoas nas universidades mesmo não obtendo qualidade", explicou a professora Maria Angela Barbato Carneiro, da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São ao Paulo) e especialista em políticas educacionais.

Ela ressalta que os índices de crescimento das instituições e seus respectivos cursos são dados sem relacionar o aumento da população apta para ingressar no Ensino Superior, o que dificultaria uma análise mais correta do sobre o fato.

A professora Regiane Aparecida dos Santos, 32 anos, é uma dessas pessoas. Formada em Letras no fim de 2008 pela Fad (Faculdade Diadema), comprada pela Uniesp, solicitou o diploma em meados de 2009. Até agora não recebeu o documento e teme perder vaga em concurso público que prestou, passou e aguarda ser chamada. Procurada, a Uniesp afirmou que o documento é feito no Interior e ficará pronto no dia 15. Poucos dias depois será entregue à aluna.

PROFESSOR
Outro ponto destacado pela educadora é a formação do professor e a devida valorização do profissional universitário, que muitas vezes precisa dar conta de uma sala com até 200 alunos, quando o ideal seria até 40. Segundo ela, para cada uma hora de aula são necessárias quatro de preparação. (Deborah Moreira)


UniA está no ranking do Procon pela segunda vez
Pela segunda vez consecutiva a UniA Anhanguera está entre as empresas mais reclamadas pelos consumidores de Santo André. Segundo ranking do primeiro semestre de 2010, divulgado na sexta-feira pelo Procon (Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor) do município, está em 14º lugar com 18 reclamações fundamentadas (quando houve necessidade de abertura de processos administrativos e impasse foi resolvido em audiência de conciliação). Metade dos registros foi atendida e teve solução, mas os outros 50% não. Em 2009, as reclamações fundamentadas da UniA Anhanguera somaram 37 registros, sendo 21 não atendidas.

"Ter um estabelecimento de ensino no topo do ranking das reclamações, juntamente com multinacionais que atendem a milhares de clientes, é um sintoma de que algo está errado", disse Ana Paula Satcheki, diretora do Departamento de Defesa do Consumidor e Procon Santo André.

Segundo ela, as principais queixas dos estudantes são cobrança e negativação do nome indevidos. "A instituição não pode constranger o aluno e isso vai do entendimento de cada órgão. Se, por exemplo, a pessoa tem seu nome negativado em instituição de proteção ao crédito como SPC ou Serasa, aqui entendemos que de alguma forma vai sofrer constrangimento, já que terá restrições", explicou Ana Paula.

Segundo a Lei de Mensalidades (9.870/99), é proibida a suspensão de provas, retenção de documentos ou "... aplicação de outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplência".

Outra entidade que teve um número significativo de reclamações no primeiro semestre foi o Iesa (Instituto de Ensino Superior Santo André), comprado pela Uniesp (União das Instituições Educacionais do Estado de São Paulo). Para a diretora do Procon, o Iesa Uniesp feriu o CDC (Código de Defesa do Consumidor) já que não vinha apresentando clareza nas informações sobre a forma de cobrança. Foram necessárias duas audiências de conciliação e reuniões com os alunos para esclarecer as informações. Outras reclamações feitas foram com relação à qualidade e a grande quantidade de vezes que os alunos foram dispensados por falta de professor.

Segundo pesquisa do Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo), com 538 instituições, o índice de inadimplência do setor foi de 23,9%, em 2009, um dos maiores índices do País. (Deborah Moreira)




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;