No século XX, criação musical e público divorciaram-se a valer. Compositores de um lado, público de outro. O nacionalismo, sobretudo nos países periféricos como o Brasil, constituiu a grande porta de entrada no mundo da chamada grande música. Fazer música que mergulha no folclore e/ou nas músicas populares em geral é um meio seguro de atingir o público. O que não quer dizer, é claro, que se trata de música de menor qualidade.

Pelo contrário. Nomes como Villa-Lobos e Radamés Gnattali, programados pelo maestro Flavio Florence e pela Orquestra Sinfônica de Santo André para o concerto deste domingo no Teatro Municipal de Santo André, uniram música fácil de ser ouvida com qualidade de invenção. Completa o programa a obra mais popular e executada do amazonense Claudio Santoro, Ponteio, também nacionalista.

Santoro namorou com a música serial, foi comunista a vida toda (e sofreu muito por isso), mas manteve um impressionante nível de qualidade em sua criação. Já o gaúcho Gnattali foi homem de rádio, comandou orquestras de estúdio, fez jazz, música popular - e também tinha um artesanato erudito excepcional, que se espraia por este concerto para viola (instrumento que ele tocava muito bem, além do piano).

Villa-Lobos, o maior compositor brasileiro do século, unia genialidade e esperteza. O ciclo das Bachianas Brasileiras é um destes casos de malandragem. Quando voltou de Paris, na década de 20 (porque o milionário Arnaldo Guinle, que o sustentava na Europa, fechou a torneira de grana), Villa já percebeu os ventos neoclassicistas que sopravam por lá. E, recém-chegado ao Rio, já planejava voltar em grande estilo. E tratou de espalhar a lenda de sua vinculação ainda menino com a música de Bach etc etc (a esperteza é demonstrada no livro de Paulo Renato Guérios, Villa-Lobos, editora FGV, de 2004).