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Livros de frases: ouro puro ou ouro de tolo
João Marcos Coelho
Especial para o Diário
09/06/2001 | 15:50
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“Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe”. Pois parece que a praga dos livros de frases, citações e cia., bem ou mal, não tem data para acabar. Vai desobedecer ao velho ditado – por sinal, uma boa frase para se usar amiúde. Veio para ficar. Livros desse tipo oferecem muitas vantagens em relação aos convencionais: não dão trabalho ao autor, pois basta colocar uns bagrinhos recolhendo frases espirituosas e depois dar uma boa editada; não dão trabalho aos leitores, que não são obrigados a ler uma obra inteira, bastando dar uma olhadela rápida em umas tantas frases e já respirar ares de sujeito cultivado, erudito e até inteligente; e, por fim, em tempos de superficialidades, todo mundo anda em busca de uma boa frase, tirada ou mesmo piada, para brilhar em todo tipo de rodinha.

É por isso que o círculo virtuoso da criação literária acaba se transformando, aqui, em círculo vicioso, onde sanguessugas do talento alheio faturam alto. E os exemplos não são só brasileiros. A coisa vai do publicitário Roberto Duailibi, que já está no quarto ou quinto Phrase Book – assim mesmo, em inglês, mas, tranquilize-se, com as frases em português mesmo – ao escritor argentino Adolfo Bioy Casares, que publicou, há quatro anos, um De Jardins Alheios, só com frases e citações colhidas ao longo de sua vida.

Cito Casares justamente porque é preciso separar alhos de bugalhos, diria um frasista do século XIX; ou Jesus de Genésio, diria um jocoso piadista atual. Casares é ouro puro, enquanto Duailibi & cia., ouro de tolo.

Dois livros de citações e frases que chegam esta semana às livrarias constituem exemplos-limites. Machado de A a X (Editora 34, 366 págs., R$ 34) é uma daquelas delícias imperdíveis, pois não é coisa de oportunistas, mas trabalho paciente de uma vida inteira, como ressalta a organizadora deste “dicionário de citações”, Lucia Leite Ribeiro Prado Lopes. Um garimpo refinado, que cobre praticamente toda a obra machadiana, incluindo suas incursões no jornalismo.

Cabem jóias como esta, do atualíssimo verbete Brasil, retirado de uma crônica de 29 de dezembro de 1861: “O país real, esse é bom, revela os melhores instintos; mas o país oficial, esse é caricato e burlesco. A sátira de Swift nas suas engenhosas viagens cabe-nos perfeitamente. No que respeita à política nada temos a invejar ao reino de Lilliput”. E outra, de 1896, há exatos 105 anos, que qualifica tão bem os mais recentes acontecimentos no Congresso Nacional: “A impunidade é o colchão dos tempos; dormem-se aí sonos deleitosos”.

Um bem-vindo detalhe marca a preocupação de Lucia com a qualidade editorial do livro. Ela utiliza as ilustrações originais que Angelo Agostini fez para as crônicas de Machado na Revista Illustrada. Agostini, um piemontese de ótima cepa, nascido em 1843, chegou ao Brasil em 1859 e acabou parceiro visual de Machado na Revista Illustrada, semanário de oito páginas que sobreviveu entre 1876 e 1889.

Finesse de nosso maior escritor ou sabedoria no garimpo das frases, a verdade é que se lê o livro com prazer, meios sorrisos e até gargalhadas abertas. Confira alguns exemplos nesta página, com as ilustrações de Agostini.

Besteirol – Do outro lado, o do besteirol, está O Livro dos Erros (Editora Record, 285 págs., R$ 30), que leva o subtítulo Histórias Equivocadas da Vida Real, tudo selecionado e organizado por Mário Goulart. Uma olhadela pelas suas 285 páginas mostra que se trata de um festival de inutilidades.

Chega a ser criminoso comparar este trabalho imbecil com o de Sérgio Porto e seu Febeapá. No caso do Stanislaw Ponte Preta, havia um sentido ideológico muito claro, pois ele tinha um senso aguçadíssimo de detecção de injustiças de todo tipo. Como rir de: “Não adianta, disse George Burus a imitadores e aproveitadores de todo o mundo: ‘Frank Sinatra é o único cantor do mundo que canta como Frank Sinatra’”. Isso não quer dizer rigorosamente nada. E é profundamente chato. O máximo que Goulart chega de um certo humor é quando conta: “Um dia, perguntaram a Tom Jobim: ‘O senhor é comunista?. Ele: ‘Não, sou violonista’”. É muito pouco para quase 300 páginas idiotas.




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