O Moinho Santa Clara, de São Caetano, fechou contrato com a MRS Logística, concessionária da malha sudeste da Rede Ferroviária Federal, para o transporte de grãos de trigo provenientes da Argentina que chegam ao Porto de Santos. O acordo é o segundo desta natureza fechado no Grande ABC. O Moinho Santo André já recebe grãos de trigo por trens desde janeiro passado. Juntas, as duas negociações têm valor estimado em R$ 4,9 milhões mensais, ou quase R$ 59 milhões ao ano.

A operação no Santa Clara teve início em novembro e, em dezembro, foi responsável pelo transporte de 6,5 mil toneladas de grãos – algo entre 40% e 50% do total consumido pela empresa do Grande ABC. No Moinho Santo André, segundo a MRS, 100% dos grãos de trigo consumidos – cerca de 20 mil toneladas/mês – já são transportados por trem.

A adesão dos moinhos foi facilitada pela estrutura já existente de conexão entre as empresas e a linha ferroviária, que foi revitalizada em parceria com a MRS. O investimento para recuperação dessa estrutura foi de R$ 300 mil no Santa Clara e R$ 500 mil no Santo André, segundo a concessionária.

Nos dois casos, o transporte ferroviário substituiu o rodoviário e garantiu economia de até 40% nos custos das empresas, segundo a MRS. A oscilação nos preços do frete rodoviário é apontada como uma das causas para a adesão, segundo o gerente administrativo do Moinho Santa Clara, Jorge Botossi.

"Além de ser mais alto, o preço do transporte pela rodovia oscila muito em função dos constantes aumentos no barril de petróleo e, conseqüentemente, dos combustíveis. Na nossa avaliação, o transporte ferroviário é a melhor solução num futuro a curto prazo", afirma.

Segundo o gerente de Negócios Agrícolas da MRS, Marcelo Saraiva, a empresa negocia com o Moinho Santo André contrato para prestação de serviços fixos de transporte ferroviário de cinco anos prorrogáveis por mais cinco. "Essa seria a consolidação de nosso trabalho, numa perspectiva a longo prazo", afirma o gerente. O Moinho Santo André, em recesso desde 28 de dezembro, não se manifestou sobre o assunto.

Retomada – O transporte ferroviário foi abandonado pelo Moinho Santa Clara há 12 anos por causa da má qualidade dos serviços prestados pela estatal RFFSA (Rede Ferroviária Federal S.A.). "Havia descompromisso da empresa com a qualidade do transporte, que se refletia em atrasos nos prazos de entrega e até na danificação da carga, o que gerava problemas na produção", afirma Botossi, do Santa Clara.

A "má experiência" dos moinhos com a ferrovia ainda estatal pesou nas negociações com a MRS, segundo Saraiva, gerente de Negócios Agrícolas da concessionária. Teria sido necessário "campanha" de convencimento para que os moinhos aderissem à ferrovia.

"Havia dúvida muito grande dos moinhos sobre a qualidade dos serviços ferroviários. Tivemos de mostrar que a operadora da ferrovia hoje possui nova concepção do transporte ferroviário, com o objetivo de atender todas as demandas dos nossos clientes", afirma Saraiva.

Segundo Botossi, do Santa Clara, a qualidade do serviço foi discutida abertamente nas tratativas. "Tivemos uma negociação bastante transparente. Deixamos claro que a experiência anterior com o transporte pela ferrovia não era boa. A MRS criou então uma equipe especial para nos atender, e demonstrou querer realizar um trabalho bastante profissional", afirma.

Pontual – A adesão dos moinhos Santa Clara e Santo André ao transporte ferroviário foi vista como iniciativa pontual pelo coordenador do grupo técnico de tráfego e logística do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, Renato Maués, e pelo secretário de Desenvolvimento e Ação Regional de Santo André, Jeroen Klink.

"É excelente que a mudança esteja acontecendo, mas isso é muito insipiente ainda para ser encarado como tendência. No entanto, é sinal de que a ferrovia não está esquecida pelos empresários, o que indica pré-disposição ao uso do transporte ferroviário", afirma Maués.

Para Klink, a adesão ainda não representa "ruptura" no sistema de transportes pela indústria do Grande ABC. "É cedo para fazer avaliações definitivas sobre a questão. É uma mudança ainda embrionária. Temos outras questões que ganharão mais força nos próximos anos, como o Ferroanel e a adoção de sistema multimodal (que integra diferentes tipos de transporte) na região."

Com relação ao sistema multimodal, Maués, do Consórcio, destaca a iniciativa da Cosipa (Companhia Siderúrgica Paulista) e da MRS Logística de criação de correia transportadora de matéria-prima entre a estação ferroviária de Campo Grande, em Santo André, e a planta da indústria, em Cubatão. "Isso desafogará a malha ferroviária e possibilitará transporte ferroviário de maior vulto."

O projeto prevê investimentos da ordem de US$ 70 milhões a US$ 80 milhões, com a construção de esteira sobre a estrutura e as pontes do sistema funicular, hoje desativado. Ao todo, 17 km de correia passarão ao lado da Vila de Paranapiacaba por meio de túnel subterrâneo de 800 metros, com capacidade para transportar 2 mil toneladas de minério de ferro por mês.

A obra, que deve ser encerrada em 2007, vai liberar o transporte ferroviário por cremalheira (sistema de tração usado para descida ou subida de trens na serra) utilizado pela siderúrgica para outros tipos de cargas. Atualmente, o projeto está em fase de obtenção de licenciamento ambiental – o EIA-Rima (Estudo e Relatório de Impacto Ambiental).

Incipiente – O transporte agrícola, dentro da estrutura da MRS Logística, ainda é incipiente, pois responde por 1% do total transportado. A meta, no entanto, é que esse volume cresça fortemente nos próximos anos. A empresa projetava fechar 2004 com 12% de crescimento.