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Paulo Coelho: o mago e as celebridades
02/08/2008 | 07:03
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Divulgação


Inconformado com o abandono da mulher, industrial russo decide forçar sua volta ao custo de uma série de cinco assassinatos em apenas 24 horas. Para isso, escolhe um dos eventos mais midiáticos do mundo, o Festival de Cinema de Cannes, onde pululam produtores, atores consagrados, candidatas a atriz.

Eis o ponto de partida escolhido por Paulo Coelho para compor seu 12º livro, O Vencedor Está Só, agora sob a chancela da Editora Agir (400 páginas, R$ 39,90), que lança hoje uma bem fornida edição: 200 mil exemplares.

"O formato é de romance policial, mas uso a violência para tratar do mundo das celebridades", conta Coelho por telefone, de Paris. Com isso, ele oferece um retrato da chamada Superclasse, a elite da elite que define os rumos das pessoas. Intrigado com o poder desses magnatas e ele mesmo uma celebridade, Coelho pretende testemunhar contra a crise de valores de um universo que se alimenta apenas de aparências.

Na introdução, você escreve que, com esse livro, fotografou sua época. Você acreditou, então, que, para retratar o momento atual, o caminho seria um romance policial?
PAULO COELHO -
Não, seria retratar o luxo e o glamour. Veja um exemplo: quem pesquisa sites de notícia, como o da CNN, entre os fatos realmente relevantes, encontra algo como ‘Amy Winehouse deixa clínica'. Mesmo que o interesse da pessoa seja outro, certamente ela vai acessar essa notícia, mesmo que dure pouco. Ou seja, o primeiro clique será em um fato que não mudaria os rumos do mundo, como é o caso, por exemplo, da crise hipotecária dos Estados Unidos. A cultura das celebridades é muito forte e espelha nosso tempo. Tive a certeza disso a partir de uma pesquisa.

Como assim?
COELHO -
Consultaram adolescentes americanos sobre três possibilidades: ser senador dos Estados Unidos, um grande desportista ou assistente pessoal de uma celebridade. O resultado apontou 58% preferindo ser assessor de alguém famoso. Ou seja, a celebridade preenche uma série de valores que não encontram eco no sistema, que é sempre muito conservador. A fama normalmente é rebelde. Eu não me interessava pelos valores dos meus pais, mas sim no que preencheria meu universo, que foram os Beatles. A celebridade preenche esse vazio. Assim, para retratar o meu tempo, acreditei que o melhor seria tratar do mundo das celebridades, que também sempre me intrigou muito.

A idéia surgiu durante o Festival de Cinema de Cannes deste ano, do qual você participou?
COELHO
- Não, isso já me intrigava porque sempre trafeguei nesse universo da Superclasse, termo criado pelo ex-assessor do David Rothkopf sobre as pessoas que hoje controlam o pensamento e têm muita influência na agenda global - entre os brasileiros, além de mim, ele citou o presidente Lula e o ministro Celso Amorim. Ou seja, o culto das celebridades está cada vez mais difundido. Basta ver a diminuição de interesse, por exemplo, por revistas de turismo ou de carros. Por outro lado, crescem as tiragens de publicações luxuosíssimas e também das revistas mais baratas com tiragens gigantescas que tratam do mesmo assunto: celebridades.

E o que uma celebridade como você pensa do assunto?
COELHO -
Sempre me questiono sobre o que estou fazendo de errado por não entender como as coisas funcionam. Por isso, resolvi escrever o livro, que é absolutamente factual. Entre os personagens, 80% deles são inspirados em pessoas reais. Até mesmo o ritual do assassino em série foi construído a partir do relato de detetives e psicólogos. Construí um retrato do meu tempo.

Você temia não estar sendo fiel?
COELHO
- Sim. Quando cheguei a Cannes, para o festival deste ano, eu já tinha terminado o romance. E meu medo era não ter contado bem a história. Mas lá eu me encontrei com minha agente, que tinha lido o livro e que garantiu ser um retrato fiel. Isso me deixou mais aliviado.

Há um bom retrato de bastidores.
COELHO
- Sim, mas, para isso, precisei omitir minhas fontes. Porque as relações não funcionam como se acredita, ou seja, você chega com um projeto inovador, empolga um produtor que decide investir. Na realidade, ninguém te dá atenção. Para minha surpresa, quem define o que pode ser sucesso são agências de tendências, que já sabem o que vai acontecer. Pessoas muito bem treinadas que, andando na rua, freqüentando festas, percebem qual vai ser a próxima roupa da moda. Eu senti isso na pele quando era hippie - de repente, nossa forma de se vestir estava em butiques caríssimas. Isso empobreceu o movimento. A diferença é que hoje as tendências mudam com muito mais velocidade. Daí a total inutilidade da crítica nos dias atuais.

Como assim?
COELHO -
A crítica está profundamente arraigada a modelos que aconteceram há 30, 40 anos. Hoje, ela interessa apenas a uma minoria. A crítica cultural hoje é jurássica. Seria fácil, no meu romance, julgar o culto da celebridade, mas meus personagens são pessoas com sonhos sinceros e que precisam lidar com uma realidade longe da esperada.

O caminho, então, é preocupante?
COELHO -
Sim, mas há saídas. O espírito da rebelião está presente, favorável a mudanças profundas. O mundo tem uma grande capacidade de renovação.




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