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Cemitério emprega amigos de infância

No Camilópolis, em Santo André, colegas de trabalho cresceram e assumiram o mesmo ofício de seus pais

Yara Ferraz
Do Diário do Grande ABC
21/10/2014 | 07:00
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Nario Barbosa/DGABC


O Cemitério Camilópolis foi fundado em 1949 com o óbito inaugural de Ernestino Nunes Carvalho. Na época, os coveiros e construtores responsáveis pelos túmulos eram Augusto Sartore e Júlio Alves. Hoje, 65 anos depois, quem desempenha a mesma função são os filhos deles.

José Roberto Sartore, 68, frequenta o cemitério desde os 10 anos, quando trazia marmita para o pai. “Trazia a comida e já ajudava no serviço desde pequeno. Sempre gostei do cemitério, nunca tive medo porque é um lugar que me traz muita paz. Como gosto de trabalhar ao ar livre, acabei seguindo a mesma profissão do meu pai”, disse.

Apesar do desejo de seguir os passos do progenitor, José Roberto era desencorajado pelo pai quando dizia que também gostaria de trabalhar na necrópole. “Ele queria que eu estudasse e tivesse outra profissão, mas minha teimosia era muito grande. Chegava a dizer que estudar era para burro. Hoje vejo que por mais que eu goste daqui, ele estava certo.”

Sérgio Romeu, 55 anos, é amigo de infância de Sartore e filho de Júlio Alves. Seguiu o caminho do pai, da mesma forma que o amigo. Porém, já chegou a ter outros empregos. “Passei a minha infância inteira aqui, já que ajudava meu pai com as ferramentas e também brincava muito. Cheguei a trabalhar no ramo da construção, mas acabei voltando para cá. Hoje eu e o José Roberto somos os únicos”, relatou.

Os dois lembram do tempo de infância com saudade. “Eu sempre acabava livrando o Zé das broncas do pai, já que ele era muito esquecido e perdia as ferramentas”, contou Romeu.

Porém, não era sempre que Sartore escapava das broncas e até do castigo. “Uma vez esqueci as ferramentas do meu pai no cemitério e ele foi perceber quando tinha chegado em casa. Não deu outra, tive que vir buscar de noite e sozinho. Fiquei todo assustado e ainda dei de cara com um gato.”

Foi também no bairro Camilópolis que os dois construíram família e moram até hoje. No caso de Sartore, o cemitério também faz parte da sua vida pessoal. “Há alguns anos, uma moça estava sentada no banco do cemitério. Eu a vi e a achei tão bonita que precisava falar com ela. Acabamos nos casando e estamos juntos há 48 anos.”

Os filhos de Romeu e Sartore já expressaram o desejo de seguir na profissão, porém, também foram desencorajados. “Tenho três filhos e, se deixar, eles querem vir para cá. Dos mais velhos, um é músico e outro trabalha em uma gráfica, mas se o serviço aperta e eles precisam vir, são rápidos. Mesmo assim não quero que tenham essa profissão, prefiro que eles estudem”, disse Romeu.

Para os companheiros de profissão, apesar de o serviço ser prazeroso, não é fácil. Eles contam que a principal dificuldade é lidar com as pessoas que passam pela perda. “É preciso saber entender esse momento, que é triste e pelo qual todos vamos passar”, afirmou Romeu.

No começo do ano que vem, os amigos vão se separar. Pelo menos na atividade profissional. Isso porque Sartore vai se aposentar em janeiro. “Foi difícil tomar essa decisão, mas uma hora a gente precisa descansar. Já trabalhei muito.”

Romeu lamenta a falta que o colega de trabalho vai fazer. “São mais de 20 anos atuando junto e vai ser bem difícil. Não só pelo trabalho, mas é que o Zé me dá forças, ele é como um irmão para mim.”

Igreja São Camilo é sexagenária

A Igreja São Camilo De Lellis teve papel muito importante para todo o bairro do Camilópolis. Fundada há 60 anos pelos primeiros moradores da região, ela e o cemitério surgiram para atender a população da pequena Vila Splendor, que foi loteada por Camillo Pedutti em 1925.

Conforme explica o atual pároco, padre Vagner Franzini, a escolha do padroeiro da igreja foi uma homenagem ao fundador do bairro. “Como o loteador se chamava Camilo, foi escolhido o nome de São Camilo para a igreja. Ele foi um santo italiano, conhecido como protetor dos enfermos. Em um determinado momento da sua vida, ficou doente, com uma ferida no pé, e foi para o hospital se tratar. Lá, ele se compadeceu dos outros doentes e começou a cuidar deles”, disse.

Apesar de ser uma construção antiga, a comunidade rejeitou o tombamento histórico do prédio. No ano passado, o pároco recebeu um comunicado do Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico) que informava que um processo corria há seis anos e que a construção seria tombada. “Foi aí que toda a comunidade se mobilizou e fizeram um abaixo-assinado para que o conselho revisse essa decisão, já que a comunidade não se interessava pelo tombamento. Não precisamos nem protocolar e o próprio Condephaat optou pelo destombamento. Conseguimos mostrar que não era o nosso caso, porque nós não temos nada de histórico, nenhuma imagem, nenhum cálice daquela época e até mesmo os vitrais são de acrílico.”

O padre também destacou a tradição das quermesses da igreja. “Acredito que nossas festas são feitas há 40 anos. Neste ano passaram em torno de 18 mil pessoas em nossa quermesse em seis finais de semana.”

Cida evita viajar para não ter saudade

Pelas ruas do Camilópolis, não tem quem não conheça a dona Cida. Maria Aparecida Lazinski, 70 anos, mora no bairro há 67 e acompanhou eventos importantes, como a fundação da Igreja São Camilo de Lellis, os primeiros anos do cemitério e do Cinema Iporanga, que funcionou durante as décadas de 1960, 1970 e 1980.

Até hoje participa das atividades da igreja, sendo que exerce a função de tesoureira na paróquia e também integra o apostolado da oração. Tem na memória a época em que a construção ainda era uma pequena capela que ficava em outro terreno. “Fui uma das primeiras crianças a receber a comunhão aqui e me lembro até hoje das nossas quermesses, que continuam até hoje e estão cada vez maiores”, afirmou.

Ela também tem lembranças do Cine Iporanga, que funcionou até 1982 e atualmente abriga igreja evangélica. “Frequentava bastante o cinema, mas, como não tinha dinheiro para todas as matinês, inventava para o porteiro que precisava chamar alguém para avisar que outra pessoa morreu. Um dia ele percebeu e tive que sair da sessão escoltada por dois policiais”, disse, em meio a risadas.

Dona Cida criou toda a família no bairro e, dos seis filhos, somente um não mora ali. Segundo ela, não está nos planos se mudar do Camilópolis. “Não conseguiria viver em outro lugar. Foi aqui que meu avô construiu a nossa casa, que foi uma das primeiras. Aqui está toda a minha família e os meus amigos”, garantiu.

Ela confessa que até evita viajar por causa da saudade. “Aonde quer que eu vá, meu pensamento está aqui.” 




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