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USP: estudantes vao falar, diz promotora
Sérgio Duran
Da ARN, em Sao Paulo 
24/04/1999 | 19:17
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O silêncio dos alunos da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de Sao Paulo) sobre a morte do calouro Edison Tsung Chi Hsueh, 22 anos, tem os dias contados. A opiniao é da promotora Eliana Passarelli, que acompanha o caso. Em sua avaliaçao, os cerca de 300 estudantes que estiveram na Associaçao Atlética da escola na trágica tarde do último dia 22 de fevereiro deverao começar a falar o que sabem "assim que se tocarem de que estao sendo acusados de homicídio".  

É o silêncio de calouros e veteranos o que mais a surpreendeu neste caso. "É preocupante", afirma a experiente promotora. Formada em 1978, Eliana já atuou como advogada, trabalhou na Procuradoria da Justiça Militar Federal e está desde 1986 no Ministério Público. Nesse tempo, foi curadora da Infância e da Juventude de Sao Caetano. Mae de dois filhos (uma universitária), ela é professora da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de Sao Paulo.  

Confira a seguir os principais trechos de entrevista concendida ao Diário na última quinta-feira, em que Eliana fala do rumo das investigaçoes, defende a imposiçao de limites aos jovens e condena a "certeza da impunidade que impera na sociedade".

DIARIO - Como estao se encaminhando as investigaçoes do caso do trote na Faculdade de Medicina da USP?

ELIANA PASSARELLI - No início, as investigaçoes foram mais rápidas, porque a faculdade forneceu muita coisa - os vigias, as fitas de vídeo. Agora, os alunos resolveram nao colaborar, nao sei se por medo, por orientaçao de advogado, sei lá porquê. 

DIARIO - A sra. acha que foi deliberado?

ELIANA - Eu nao poderia precisar o momento em que se decidiu pelo silêncio, mas diria que no início eles estavam - nao sei se mais comovidos e, por isso, mais abertos - colaborando mais. Agora, você percebe que o discurso é sempre o mesmo. É um discurso monocórdio, com as mesmas palavras, enfim, você fica lá olhando. Só que agora estamos contando com uma prova mais técnica, que é a quebra do sigilo telefônico, o próprio laudo necroscópio que diz: péra lá, esse menino nao bebeu, nao se drogou... Entao, o consenso recomenda que ele nao cairia na piscina sozinho. Ele era um cara tímido, nao faria isso só por achar legal. 

DIARIO - Esta nao é a primeira história de trote violento, nem mesmo em uma faculdade de medicina. Porém, nem todos chamaram tanta atençao. Em sua opiniao, qual o motivo?

ELIANA - Primeiro tem o lado afetivo da notícia. Você está falando de um jovem, cujo sonho é o de todo pai e mae. É uma história triste porque ele passava por uma situaçao financeira absurda, a ponto de abandonar o curso na Santa Casa por nao poder pagar. Isso tudo encontra uma ressonância em todo o povo brasileiro. Nós temos milhoes e milhoes de pessoas com o perfil dele. É muito triste a situaçao em que esse jovem morreu, galgando a Universidade de Sao Paulo, que é o sonho de todo pai. Segundo, eu acho que existe um sentimento de carência muito grande nessa família: de imigrantes, muito pobres, que mal se comunicam. Em terceiro lugar, você está falando de um grupo de elite: estudantes universitários. Sob o ponto de vista da mídia, você tem um menino que morreu no auge das suas realizaçoes, no meio da elite das elites. 

DIARIO - Quais surpresas esse caso trouxe à sra.?

ELIANA - Sem dúvida o silêncio dos estudantes, que me choca, me surpreende e me preocupa. Por casa da falta de responsabilidade que eles têm diante da vida do outro e da deles. Eu acho o seguinte: eles estao sem noçao das conseqüências dos seus atos. Eu acho que até nao têm a exata noçao do que pode acontecer com eles, se mantendo em silêncio. A qualquer momento, eu nao vou ser irresponsável a ponto de denunciar todo mundo lá porque eu quero, mas eu serei responsável, sim, de denunciar quem estava lá e que efetivamente colaborou de alguma forma para que aquilo acontecesse. 

DIARIO - O que a sra. acha que motiva um grupo de jovens de classe média a ter prazer no trote violento?

ELIANA - Falta de limites e a certeza da impunidade. Onde você anda hoje tem essa certeza. Qualquer um sabe disso: no primeiro crime há a liberdade mediante o pagamento de uma multa; no segundo, o direito da suspensao penal do processo; no terceiro, a suspensao da pena; no quarto crime você começa a falar em regime aberto... É muito complicado estar falando que eles têm a sensaçao de impunidade porque sao médicos. Todo mundo tem.

DIARIO - A sra. passou por trote?

ELIANA - Passei, mas absolutamente light. Era o antigo trote - pagar sorvete para veterano ou matar formigas com grito. Tinha bom humor. 

DIARIO - A sra. acha que a postura dos alunos compromete de alguma forma a imagem da instituiçao?

ELIANA - Existem três coisas distintas aí: os alunos, a Faculdade de Medicina e a USP. A festa se deu na Atlética, longe da faculdade, fora do seu alcance. Portanto, a Faculdade e a Reitoria da USP nao têm nada a ver com isso, porque sequer o espaço da faculdade foi utilizado. A Atlética é uma associaçao independente, comandada por alunos, onde nao há nenhuma interferência da faculdade. Fica em um terreno cedido pela Prefeitura. O que a populaçao está fazendo é confundir a faculdade com essa história toda. Está todo mundo achando que o diretor da Faculdade de Medicina está contra o Ministério Público, quando nao está. 

DIARIO - A sra. acredita em muitos culpados?

ELIANA - Nao, em alguns. Entre os suspeitos nós contamos 200, que é o número de veteranos. Agora, você tem de cruzar os horários em que eles estiveram lá. Os que passaram pela Atlética entre 12h e 16h, todos sao suspeitos.  

DIARIO - E o bloqueio dos alunos, o pacto de silêncio. A sra. crê que pode ser quebrado?

ELIANA - Quando eles perceberem que estao sendo acusados de um crime, quando se tocarem disso, vao começar a falar. 

DIARIO - A sra. é mae de uma universitária, dá aula na PUC e defende a tese de que jovem precisa de limites. Como a sra. lida com seus filhos e alunos?

ELIANA - Essa falta de limite começa em casa. Colocam-se limites quando eles sao pequenos. E a falta de limites começa na primeira infância: é o cara que chora e ganha nao sei o quê. É tudo muito liberal hoje. O professor tem um papel fundamental na educaçao. Como professora universitária, o aluno nao entra na minha sala na hora que tem vontade, nem sai quando quer, e nao fala enquanto eu nao der liberdade. Aluno meu também nao entra com traje incompatível na sala. Eu nao sou obrigada a ver perna de menino, nem sunga, e por aí vai. A faculdade em que leciono é de Direito, que é um curso extremamente formal. Entao, nao adianta vir assistir aula de regata e chinelo, que nao entra.




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