Automóveis Titulo Comparativo
De Monza a Cruze,
30 anos depois

Diário promove encontro entre clássico consagrado
de 1982 e hatch que ainda busca por um lugar ao Sol

Marcelo Monegato
Do Diário do Grande ABC
01/05/2013 | 11:21
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André Henriques/DGABC


Eu poderia ter dupla cidadania. Afinal, apesar de brasileiro legítimo, fabricado durante anos aqui no Grande ABC - mais especificamente em São Caetano -, tenho parente próximo na Alemanha. Dizem que sou a cara do Opel Ascona. Em 1982 cheguei sob codinome ‘J', mas fiquei conhecido mesmo como Chevrolet Monza. Na realidade, este das fotos sou eu, um modelo 1983, com motor 1.600 a álcool - ainda estou uma brasa, mora? - e sequer 100 mil quilômetros rodei. E este ao meu lado, todo modernozo e com 30 anos de diferença, é o jovem Chevrolet Cruze Sport6, um hatchback assim como eu que, sem falsa modéstia, se aproveita da fama e sucesso que fiz.

Tenho bons causos e alguns conselhos para você, Cruze. Sou muito mais experiente. Estou aposentado, me garanto como um dos grandes veículos nacionais de todos os tempos e muitos me cultuam como clássico. Tenho fã-clube e poderia até desfilar com placa preta. Por isso, nesta conversa, eu falo e você apenas escuta.

Na minha época, início da década de 1980, ter duas portas era style - meu irmão sedã teve versão quatro portas, mas era coisa de tiozão. Hoje os tempos são outros, e ter quatro portas, assim como você, é o que há. Aliás, se eu hatch nunca fui quatro portas, acho que você nunca será duas.

Gosto do seu porte atlético, garoto. Sou mais magrelão, esguio. Mas na minha época fiz sucesso com a rapazeada e os brotinhos. Você é mais robusto, com linha de cintura elevada, grade frontal ampla e marcante. Faróis afilados, enquanto os meus são mais esbugalhados. É maior, também (confira números na tabela). No entanto, não abrimos mão da gravatinha - minha azul, sua dourada.

Meu coração é um 1.6 que funciona somente com álcool e entrega 73 cv de potência a 5.400 rpm e torque de 12,3 mkgf a 3.000 rpm. Tenho carburador de corpo simples e, admito, nos dias de frio sou preguiçoso. Sem puxar o afogador não saio da garagem nem por decreto - meu proprietário Rui Pacheco, advogado e morador de São Paulo, que o diga...

Existem Monzas que utilizam motor 1.8 como o seu, mas um pouco menos moderno que o Ecotec 6 que carrega sob o capô e que oferece muito mais saúde - até 144 cv de potência a 6.300 rotações e torque 18,9 mkgf a 3.800 rpm, quando o drink é o etanol.

Tinha uma versão hatch esportiva chamada S/R, que utilizava motor 2.0 de 110 cv. Foi a última configuração hatch do Monza a existir, deixando de ser fabricada em 1988. Aliás, você, Cruze, só tem motor transversal e tração dianteira porque eu, lá no início dos anos 1980, introduzi tais padrões na Chevrolet. Não precisa agradecer.

No meu caso, a transmissão é manual de cinco marchas. Os engates são suaves, mas ligeiramente longos. Alguns brothers têm caixa manual de quatro velocidades ou automática de três. Seu câmbio, reconheço, é mais moderno: manual ou automático de seis velocidades. É muito confortável, que eu sei.

Em termos de acabamento, existe uma grande diferença. Uso e abuso de um plástico inferior ao seu, e meus bancos são revestidos com veludo - coisa fina naquela época -, enquanto os seus são de couro. Tenho até um bom revestimento acústico.

Minha principal falha está no painel de instrumentos, que tem somente velocímetro, medidor do combustível e da temperatura do motor - fico devendo um conta-giros. O seu, Sport6, o que não falta são informações. Até computador de bordo com oito funções tem.

A posição de dirigir é baixa - lembra muito a do meu antecessor, o Chevette. Parece que o motorista está sentado no chão. Quizera eu - assim como você - ter ajustes de altura do banco e regulagem de altura e profundidade da coluna de direção.

Não trago muito requinte. Sou basicão. Acho que vocês jovens me chamariam de pé-de-boi, correto? Não tenho trava nem vidros elétricos. Comigo o negócio é na manivela mesmo. Ar-condicionado e direção hidráulica? Também vou ficar devendo. Controle de tração (TCS) e de estabilidade (ESP) é modernidade para Cruze, assim como sistema de som com CD player e MP3 - conectividade bluetooth - e navegação GPS. No meu tempo, o som era gavetão para fita k7 - sabe o que é isso? - e para chegar a algum lugar, o velho e bom guia de ruas era o salvador da pátria.

Em termos de segurança sou precário se comparado a vocês, atuais representantes da Chevrolet. Não tenho freios com ABS (antitravamento) nem air bag frontal, itens que, pelo o que andei lendo, serão obrigatórios a partir de 2014. Eu, para se ter uma ideia, ainda uso cinto de segurança abdominal (dois pontos) para todos os ocupantes, inclusive motorista. O Pacheco já levou até multa, pois os caras da CET achavam que ele não estava usando cinto.

Não posso negar. Estou muito ultrapassado. Também não poderia ser diferente, afinal, são 30 anos de diferença. Você, jovem Cruze Sport6, é mais carro que eu. No entanto, precisa reconhecer que nunca conseguirá colocar em seu currículo o feito que alcancei junto com meu irmão sedã: ser o carro mais vendido do Brasil por três anos consecutivos - 1984, 1985 e 1986.




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