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Maternidade depois dos 40
é o desafio das mulheres
Por Camila Brunelli
Do Diário do Grande ABC
24/07/2011 | 07:00
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No auge dos seus 41 anos, a professora Keila Bucci Camelo está grávida de um mês do primeiro filho. Há 11 anos ela tenta ser mãe e não consegue por conta de um problema no útero que impede que o bebê receba os nutrientes que a mãe ingere. Casada há três anos com o motorista Antonio Marcos Camelo, 38, ela sempre protelava o início de um tratamento porque acreditava que conseguiria engravidar pelos métodos tradicionais. "Foi chegando uma idade, que vimos que tínhamos que procurar ajuda profissional."

Optou pela fertilização, tratamento que consiste em colocar dois embriões no útero da futura mãe. No caso de Keila, foram inseridos três, por causa da idade já avançada.

"Mesmo assim, foi melhor ter engravidado agora. Nós já estamos com uma certa estabilidade financeira, compramos nosso apartamento e, agora sim, podemos dar o que essa criança precisa", disse ela.

A professora pretende ficar afastada do trabalho até o terceiro mês de gestação - os mais delicados para o desenvolvimento do bebê.

Para o sociólogo e doutor em Psicologia Social pela USP, Fábio Keinert, a gravidez tardia é recente, um sinal do desmantelamento da sociedade tradicional que dividia de maneira rígida os papéis e tarefas do marido e da companheira. "Essas mudanças libertam e emancipam a mulher, mas ainda há um ônus bem grande: ela cuida do lar e dos filhos", analisou o sociólogo. Para ele, é forte a ideia de que a consumação do feminino se dá com a maternidade.

A dona de casa Sandra Frassato, de 43 anos, engravidou de Maryane, aos 41 anos, e por acaso. Há 20 anos ela e o marido se programaram para ser pais e tiveram as gêmeas Maytê e Mayara. Grávida aos 22 anos, ela sofreu mais do que quando gerou Maryane. "Estava com 120 quilos e tinha pressão alta, o que deixava o cordão umbilical agitado e poderia até enforcar uma das duas", lembrou. Maytê e Mayara vieram antes da hora. Maryane, hoje com 2 anos, não teve esse problema. "Foi bem na época que perdi a minha sogra e a minha mãe. Se não fosse ela, não sei o que seria de mim e do meu pai, eles eram muito apegados."

As mais empolgadas com a gravidez eram as gêmeas. Elas sempre pediram um irmão, e o atraso da menstruação da mãe foi motivo de ansiedade na família inteira. Como sempre moraram no Parque Novo Oratório, quando as duas foram à farmácia comprar o teste de gravidez, já viraram alvo de comentário na vizinhança. "Quando elas viram que deu positivo, saíram gritando pela rua, para contar para a minha irmã. Muitos me perguntavam qual das duas estava grávida, já que nenhuma delas namorava."

Gravidez tardia ainda oferece muitos riscos à mãe e ao bebê

Quando a mulher entra no mercado do trabalho, realmente adia a gravidez. Apesar dos rápidos avanços da Medicina, ainda há algumas funções do organismo humano que a tecnologia não substitui. Uma delas é a produção de óvulos.

O ginecologista e coordenador do Setor de Genética e Reprodução Humana da Faculdade de Medicina do ABC, Caio Parente Barbosa, explicou que o ovário tem uma vida útil que vai dos 12 aos 50 anos, em média. A partir dos 35 há uma queda de qualidade e quantidade na ovulação da maioria das mulheres, uma perda natural de fertilidade. Com o passar dos anos, a chance de desenvolver doenças que interfiram na fertilidade, como mioma (tumor benigno na musculatura do útero), ou endometriose (quando o endométrio, a camada interna do útero sai do órgão e cai no abdome), também aumentam bastante.

"A partir dos 35 anos, é natural que se acenda uma luz amarela. Caso aquela mulher queira ser mãe, mas não tenha previsão de gravidez, é indicado que ela congele os óvulos." O especialista também afirmou que quanto mais velho o óvulo, maior é a chance de o bebê nascer com doenças genéticas, como síndrome de Down, por exemplo.

Além da produção e da qualidade dos óvulos, a saúde da mãe também pode ficar comprometida, se a mulher apresentar doenças clínicas que interfiram na gravidez, como hipertensão ou diabetes. "Há possibilidade de ela dar a luz a um feto prematuro ou um recém-nascido de baixo peso. Na pior das hipóteses, pode haver até um óbito fetal", disse o ginecologista. Segundo ele, a mesma coisa vale para o diabetes. CB


Emprego e relações voláteis atrasam filho

Mercado de trabalho altamente competitivo, uma dificuldade maior de atingir as condições financeiras para ter os filhos e falta de estabilidade emocional e de maturidade para criar um bebê podem ser elencados como motivos importantes que têm levados as mulheres a adiar a gravidez.

O que não se pode deixar de destacar é que há mais uma importante razão, como fez questão de frisar Marina Massi, psicanalista doutora em Psicologia Social pela USP e autora do livro Vida de Mulheres: cotidiano e imaginário, da Ed. Imago. O que a especialista ressaltou é que os relacionamentos estão cada vez mais voláteis, de modo que as pessoas ficam juntas, mas não se comprometem necessariamente a manter um compromisso de fato. "Essa instabilidade é maior do que a financeira. O fato de ser mulher e sentir-se como tal está, hoje em dia, menos vinculado à maternidade como antigamente, o que torna possível adiar esta decisão sem temer tanto pela perda da identidade feminina", explicou a psicanalista.

Para Marina Massi, a sociedade pós-moderna em que vivemos reflete um certo individualismo, onde a pessoa precisa ter e ser. Ela lembra, ainda, que gerar um filho é um ato de doar-se, dar parte de seu tempo, de sua vida, para cuidar de alguém que dependerá por muito tempo dos pais.

É preciso aproveitar o tempo em que nenhuma criança é seu dependente. Isso as mulheres estão fazendo, na avaliação da terapeuta de casal e família do Núcleo de Família e Comunidade da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Ceneide Oliveira Cerveny. "As mulheres estão adiando a gravidez principalmente para adquirir estabilidade no trabalho, terminando a sua formação, viajando e usufruindo das oportunidades antes de ser mãe."

Como a disposição das famílias de classe média é de ter um ou, no máximo, dois filhos, essa fase ainda é adequada para engravidar. "Outro motivo são os recasamentos que se dão com pessoas de mais idade que já constituíram uma família anterior e no novo relacionamento desejam filhos", citou."O que acho perigoso é quando pessoas sozinhas que vão envelhecendo resolvem ou ter um filho ou adotar para evitar a própria solidão, pois é um encargo difícil para um filho preencher esse vazio", completou Ceneide. CB

Diferença de idade pode acentuar conflitos de gerações

Para a psicanalista Marina Massi, ter um filho com mais de 40 anos - o que aumenta a diferença de idade entre a criança e a mãe, pode ter um lado bom, mas haverá conflitos de gerações e valores. "Essa questão sempre existirá, faz parte da relação entre pais e filhos", destacou Marina. Para ela, pais muito mais velhos, porém, tendem a não acompanhar as mudanças sociais e muitas vezes não entender as vivências dos filhos, principalmente na adolescência, onde isto fica mais acentuado."

Ainda há o problema da perda da disposição, no período em que a criança demanda mais cuidados e está gasta muito a sua crescente energia.

A terapeuta de casal e família Ceneide Oliveira Cerveny também citou a puberdade como um período onde o conflito poderá ocorrer com maior facilidade.

"Nas nossas pesquisas percebemos que essas mães enfrentam a dificuldade de entrar na menopausa quando seus filhos estão na adolescência. É um encontro de dois períodos muito complicados para ambos."

Por outro lado, lembra a psicanalista, nessa idade a mulher está mais madura e pode ser mais compreensiva do que uma mãe de 27 ou 30 anos. CB




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