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Mauá deixa seus
pobres à própria sorte
Por Fábio Munhoz
Renan Fonseca
12/01/2011 | 07:33
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Cinco pessoas morreram em uma semana. Mais de 500 estão desalojadas, segundo o site da Defesa Civil Estadual. E um número ainda desconhecido de famílias habita áreas com alto risco de deslizamento de terra em Mauá. Abrigos, atenção, informação, profissionalismo, mantimentos e uma lista de características que faltam à administração pública e Defesa Civil municipal comprovam que, quem mora em zonas de perigo a desastres naturais, deve contar com a própria sorte.

Chuvas intensas na madrugada de segunda-feira para ontem. Saldo: três famílias estão em luto. No morro do Macuco, onde na terça-feira um deslizamento de terra matou mãe e filha, a chuva intensa novamente fez mais duas vítimas ontem, um adolescente de 16 anos e um aposentado. A tragédia aconteceu por volta da 1h. Quem estava monitorando as famílias? "Ninguém. A gente começou a escavar para procurar o garoto e logo os bombeiros chegaram. Mas agentes da Prefeitura só apareceram pela manhã", disse Alvino Alves Dias, 56 anos.

No Jardim Rosina, mais uma tragédia na mesma noite. Lá, Jairo Garcia, 42, conhecido como Garrafinha, morreu. Uma casa no Jardim Oratório foi completamente destruída pela terra molhada pelas chuvas, mas não houve vítimas. Em todos os casos, os moradores foram os primeiros a chegar no local do acidente, iniciar as escavações e acionar os bombeiros.

O geólogo Márcio Ackermann pesquisou em campo o morro do Macuco na semana passada. Por meio de técnicas científicas, ele comprovou que a área apresenta risco alto de escorregamento de solo. "Por isso a Defesa Civil tem de fazer o monitoramento in loco. Durante tempestades, os agentes devem remover aquelas famílias ou ao menos estar no local", falou.

RESPONSABILIDADE
O especialista avaliou que o episódio de ontem demonstra a falta de preparo dos agentes da Defesa Civil para elaborar plano preventivo contra acidentes geológicos. "Santo André, São Bernardo e Diadema também possuem áreas de risco. Por que não morreram pessoas nessas cidades com as últimas chuvas? Conheço profissionais da Defesa naquelas cidades e estão trabalhando de maneira eficiente", exemplificou.

"A Prefeitura é responsável por essas mortes. Abrigar pessoas provisoriamente, seja em uma escola, já que é recesso escolar, ou salão paroquial, é o mínimo e mais barato que qualquer administração municipal pode fazer", comentou Ackermann.

Durante o resgate dos corpos no Macuco, constantemente o Corpo de Bombeiros, através do 8º GB (Grupamento de Bombeiros), informava imprensa e moradores sobre os trabalhos. Ao contrário disso, a Defesa Civil se esquivou de qualquer comentário. "O morro é muito íngreme e por isso se torna uma área de risco. Desde o início das chuvas estamos alertas a qualquer ocorrência", falou o major Sérgio Ricardo Moretti.

Até sexta-feira, 45 famílias removidas de suas casas no Macuco haviam recebido 35 cestas básicas, 12 colchonetes e oito cobertores da Prefeitura.

Por volta das 18h de ontem, a administração enviou nota informando que outras 28 casas foram interditadas nas regiões atingidas. As famílias serão acomodadas na Escola Municipal Herbert de Souza, no Jardim Zaíra.

Família é vítima de dois deslizamentos em um ano

Foram cinco horas de trabalho árduo de mais de 40 homens do Corpo de Bombeiros e voluntários no fim da Rua Prefeito Doutor Dorival da Silva, no Macuco, em Mauá. Perambulando sem rumo, coçando o pescoço e apresentando angústia, um pai vivia essas horas chorando por desenterrar o filho de 16 anos dos escombros da casa abalada. O eletricista Juraci Vieira dos Santos, 51, perdeu nesta semana Paulo Santos, que até segunda-feira ajudava o pai nos consertos de eletrodomésticos. O deslizamento da madrugada de ontem vitimou também o vizinho, Antonio Carlos Marosticon, 56.

Juraci vivia há um ano na casa que comprou no Macuco. Em dezembro de 2009, um escorregamento de solo destruiu a antiga moradia onde vivia com a mulher e os cinco filhos. "Daquela vez, ninguém se feriu. Como a Prefeitura não me ofereceu nada, continuei aqui no Macuco", falou. "Para mim, não era área de risco. O prefeito (Oswaldo Dias - PT) fala que não tem dinheiro para urbanizar o morro, mas sempre promove shows pela cidade", protestou.

O eletricista relatou que dormia quando escutou um estrondo. Assustado, correu pelos três cômodos para salvar os filhos. Marcos Santos, 18 anos, estava no mesmo quarto que Paulo e foi salvo; seu irmão, que dormia na parte de baixo de um beliche, não teve a mesma sorte. "Escavei tudo para achar o Paulinho. Se isso não tivesse acontecido, ele ainda estaria enroladinho nas cobertas", disse o pai. Sem casa, Juraci não sabe para onde vai com a família. "Perdi tudo o que tinha, inclusive as ferramentas", contou.

SOLITÁRIO
Seu Antonio Carlos morava há poucos meses no Macuco, sozinho. Era bem visto pela vizinhança. Mudou para o barraco após se separar da antiga companheira. Ana Maria Lima, 38 anos, cunhada de seu Antonio, segurava a carteira de trabalho do parente enquanto acompanhava os trabalhos dos bombeiros. Foram 11 horas de escavação até encontrarem o corpo do idoso.

Voluntária pede doações para os desabrigados

Ontem, mais doações chegaram no Bar do Albino, no morro do Macuco. O estabelecimento está tentando cobrir algumas falhas da Prefeitura: de comércio, virou ponto para recebimento de doações e abrigo para famílias que tiveram casas interditadas. Diante de mais uma tragédia, a proprietária, Neide Menezes da Silva, chorou. "Não aguento mais ver essas pessoas sofrendo."

Ela acolhe e cozinha para qualquer família que precisa de um lar improvisado, enquanto o poder municipal não termina o abrigo provisório, no Zaíra 4. Doações são o que mais precisa, já que são muitas as famílias.

No momento do acidente, Neide abriu as portas do estabelecimento e começou a fazer um café da manhã reforçado para os voluntários. Enquanto isso, móveis não paravam de chegar. O barzinho de paredes amarelas fica na Rua Lourival Portal Pinto, à direita para quem está subindo o morro. O telefone para contato é 3448-4662.




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