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Teatro que vai à rua
Thiago Mariano
Do Diário do Grande ABC
13/12/2010 | 08:56
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Se a cidade não vai ao teatro, o teatro vai à cidade. É o que acontece com mais frequência, principalmente em Mauá, onde, no fim de novembro, houve o 2° Encontro de Teatro do município. Foram 12 montagens fora do palco, na rua mesmo ou no que se chama "espaço não convencional" - o Museu Barão de Mauá, por exemplo.

Os grupos, principalmente os locais, já antenados aos benefícios e à realidade do público, afinaram estéticas, provaram linguagens e provocaram nos transeuntes um diálogo comum, em que se estabelece o gosto pela arte.

"Mauá tem clamor pela rua. Desde que fiz meu primeiro espetáculo desse gênero, com recorde de público, cuja estrutura era circense, entendi que as pessoas daqui gostam disso. A cidade tem muitos nordestinos, mineiros, gente acostumada a esses projetos itinerantes", conta Caio Evangelista, Coordenador de Cultura de Mauá e diretor de Saudade, apresentada dentro de um ônibus na mostra teatral.

Ronaldo Morais, da Cia Quartum Crescente, conta que, apesar do grupo ter no currículo mais montagens levadas ao palco, a estrutura do seu trabalho é para ser adaptada às ruas: "Nossa pesquisa é a commedia dell'arte (gênero popular e itinerante de improviso que surgiu no Renascentismo), que é teatro de rua, de buscar o povo onde o povo está. Mas existem algumas dificuldades. Há séculos os espetáculos eram trocados por mantimentos, hoje, se bobear, nem batata a gente ganha"

A Cia Grite de Teatro, de São Caetano, lançou seu primeiro trabalho de rua no início deste ano, Mauá-Pirituba: O Expresso das Contradições, com direção geral e dramaturgia de Kleber di Lázzare. Segundo o diretor, a peça não foi criada para as ruas, mas, no meio do processo, houve a necessidade de ser levada a um espaço aberto.

"Decidimos levar a história para onde a buscamos, nos centros, nos trens, onde estavam os personagens da nossa pesquisa", diz Lázzare, sobre o espetáculo que traz tipos comuns aos que se vê nos centros urbanos.

É consenso que é uma prática diferenciada, onde o contato com a cidade, com as pessoas que passam e param para ver, é muito mais potente e repleto de possibilidades. "Na verdade, você surge na vida da pessoa, interfere na vida dela. Existe o exercício de dialogar com essa questão que não é só a execução do espetáculo em si", pontua o diretor da Grite.

"Teatro de rua é o que envolve quem está passando, que se identifica. Racionalmente, o público não estará preparado. Ele comparecerá sentimentalmente. E é o exercício de tocá-lo neste aspecto que torna o gênero mais interessante, democrático", opina Morais.

RISCOS - Nem tudo são flores ou risos, há dificuldade, principalmente para os grupos pequenos, de criar estruturas para se apresentar. É necessário, na maior parte das vezes, equipamentos de som que não limitem o espetáculo a poucos ouvintes. Cenário e luz não precisam de tanto. Eles são o boteco da esquina, o ponto de ônibus ou o prédio ao lado.

E há que ter destreza para lidar com possíveis participações fora do roteiro. Casos de pessoas que não entendem e interferem, cachorros de rua que ladram e avançam para a caravana, entre outras situações. "Uma vez, um bêbado começou a dialogar com a gente, se colocando na história. Logo ele percebeu que era teatro, e disparou que era para todo mundo ficar quieto e prestar atenção", relembra Lázzare.

"Na rua, o teatro é em pé de igualdade. A relação é entre tipos vulneráveis, o ator e a plateia. Mas o interessante é que fica estabelecido um teste de situações entre os dois que acaba os envolvendo", completa o diretor.

Incentivo dos órgãos públicos é fundamental para essas ações, mas, se feita a divisão entre os grupos que se apresentam em teatros ou espaços não convencionais, o artista de rua ainda é o mais marginal. "É um estilo de trabalho que tende a crescer, mas exige um olhar mais interessado dos governantes. Teatro de rua faz, de forma direta, o papel que o poder público devia levar em alta consideração: o de educar com cultura, aproximando quem quer que seja, sem elitismo, do acesso à arte", acredita Lázzare.




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