Cultura & Lazer Titulo
Questão de formação
Thiago Mariano
Do Diário do Grande ABC
27/06/2010 | 07:33
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Tiago Silva/DGABC


No Grande ABC, o surgimento das duas escolas de formação artística que atendem à região aconteceu em períodos bem distintos.

A Fundação das Artes de São Caetano, criada em 1968, surgiu pela demanda profissionalizante que o teatro amador, já em expansão, exigia. Era o início do período mais ferrenho da ditadura militar.

A ELT (Escola Livre de Teatro) de Santo André, fundada em 1990, nasceu em outros tempos, com o País se acostumando à democracia e enfrentando uma crise econômica. O pensar teatral deste período ia além da criação, confrontava a liberdade, mas em um tempo de mais dificuldades financeiras e menos retorno do público.

A série de reportagens do Diário, casada com o projeto ABCena, do Sesc Santo André, de discussão do teatro regional, hoje fala sobre a contribuição que essas duas escolas deram e ainda dão à construção do teatro regional.

"A ideia é ensinar para esse sujeito (o ator) como ele se reúne com outro sujeito para produzir nas condições mais adversas. Por exemplo, na periferia de Santo André, na periferia do Grande ABC", é assim que Antonio Rogério Toscano, um dos mestres da ELT (Escola Livre de Teatro) de Santo André, simplifica a missão da escola.

Toscano conta ainda que o espaço criado dentro da ELT é autogerador do seu teatro, com proposta de vivência única e radical, onde o ensino é horizontal, compartilhado.

"Mestres e aprendizes remetem ao aprendizado do ofício. Mestre é quem conhece e compartilha sua pesquisa. Não no sentido de entrar em sala e contar o seu projeto, mas na de destacar uma linguagem teatral que faça parte da sua língua de pesquisa e ensiná-la a quem está disposto a aprender. Com o passar do tempo, a ideia é que o aprendiz passe a pesquisar junto e que o espaço de criação vire um espaço de trabalho, não sala de aula", conta Juliana Monteiro, coordenadora da escola.

"O artista orientador (mestre) tem o dever de ser provocador, abrir caminhos para quem passa pela escola. O trabalho é fazer o artista se apropriar dos elementos necessários para a criação, ser dono do seu discurso e das ferramentas que a municiam. Nosso objetivo é provocar a vontade de fazer e expressar-se com teatro de forma crítica, construtiva e criativa."

O projeto de criação da escola, nascida em 1990, veio de Celso Frateschi, então diretor de Cultura de Santo André. A pesquisadora e diretora teatral Maria Thais Lima Santos foi quem delineou a proposta.

Nessa primeira etapa, a ELT durou apenas três anos, ficando fechada de 1993 a 1996.

Hoje, celebrando 20 anos, segundo Juliana, a escola volta os olhos para o passado. "A tradição é um assunto que a gente sempre procura retormar, revisitando o trabalho desses anos e lançando um olhar crítico para não deixar engessar", diz.

A mudança mais fundamental pela qual esse processo de ensino passou foi expandir o leque de núcleos. "A escola nasceu com três núcleos de formação: de ator, dramaturgia e técnicas circenses. Ao longo do tempo isso foi expandido, tanto por demandas da própria escola quanto externas", afirma Maria Thais.

Núcleos novos, dependendo de quem queira fazer, são criados ou extintos. "Às vezes o próprio ator formado aqui tem necessidade de voltar para aprender a produzir ou então deseja aprender a montar projetos. Daí, núcleos são criados", exemplifica a coordenadora.

Até dentro da formação tradicional, a de ator, os caminhos são abertos. "A formação 10, por exemplo, que criou o musical Nekropolis, desde quando entrou, o mestre Gustavo Kurlat identificou como uma turma que tinha levada musical e então trabalhou esse aspecto neles", diz.

A partir do dia 5, a escola dá largada às comemorações dos 20 anos com apresentações especiais. Entre elas a releitura de Nossa Cidade, texto de Luís Alberto de Abreu para a primeira turma formada depois de sua reabertura.

Fundação surgiu para pensar de forma estética
"A primeira ideia que veio com a criação da Fundação das Artes era pensar o teatro de forma estética, algo mais desenvolvido, diferente do caráter amador que essa arte tinha no Grande ABC. Até aquela época só existia a EAD (Escola de Artes Dramáticas) de São Paulo", conta a jornalista e pesquisadora Paula Venâncio.

"Apesar de naqueles tempos a formação do ator não ser uma profissão regulamentada, a escola de teatro da Fundação foi criada com a finalidade de formar o ator, testando métodos, criando pesquisas e expandindo o espaço e a discussão do criar teatral", complementa José Armando Pereira da Silva, jornalista e pesquisador da história do teatro no Grande ABC, que foi também coordenou a área na entidade são-caetanense durante três anos, logo na abertura.

Passados 42 anos e muita coisa não mudou, mas se aprofundou, principalmente com relação à questão da formação do ator e uma nova realidade de fazer teatro.

"Formação não é só ensinar a representar. Queremos que o ator passe por processo de vivência que possibilite o confronto com diversas etapas. Atuar é importante, tanto quanto pesquisar, conhecer a parte técnica e criar", diz Liana Crocco, diretora da Fundação das Artes.

O curso dura três anos e meio e é composto por aulas teóricas, processo de pesquisa, expressão, improvisação e teatro brasileiro, entre outras. "Somos uma escola mais tradicional, sim. Somos uma escola profissionalizante, com grade curricular que segue padrões do MEC (Ministério da Educação), mas não caducamos nisso, estamos trazendo outro debate, uma nova reflexão dentro desse processo", complementa Liana.

Para citar esse processo reflexivo, a diretora cita as ações que ultrapassam os limites da Fundação. "Temos buscado trabalhar em outras instituições, como o Sesc, o Sesi e buscado pontos de intersecção entre gente que pensa em cultura".

A criação do programa Viva Arte Viva e a transformação da Apap Artecidade - um desdobramento da Associação de Pais, Alunos e Professores da Fundação das Artes - em Ponto de Cultura já colhem os frutos desse processo expandido de construção. As duas fomentam o acesso gratuito a cursos e especialização na área artística e têm colaboração direta de alunos da Fundação. "E uma delas, a Apap, nasceu dos próprios alunos", diz a diretora.

Do dia 4 ao 10, a programação se torna especial, com o Cena de Teatro, festival com apresentações e oficinas gratuitas.

No dia 15 de agosto, estreia Teatragem, montagem itinerante do núcleo 43 da escola. "É o primeiro processo de teatro de rua. Tivemos suporte de profissionais de fora. É um desafio novo", afirma.




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