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Bairro de Sto.André lembra área do Rio de Janeiro
Evandro Enoshita
Do Diário do Grande ABC
10/04/2010 | 08:57
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As famílias do Núcleo Espírito Santo, no bairro Cidade São Jorge, em Santo André, temem que a tragédia ocorrida no morro do Bumba, em Niterói, no Rio de Janeiro, se repita no local. Assim como a comunidade carente fluminense, o Espírito Santo foi erguido na década de 1980 sobre um lixão. O bairro fica ao lado do atual aterro sanitário de Santo André.

Na noite de quarta-feira, um deslizamento de terra varreu duas ruas no morro do Bumba. A estimativa do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro é de que 150 pessoas estejam soterradas no local.

"Quando fiquei sabendo do que aconteceu no Rio (de Janeiro), chorei muito. Fiquei desesperada, porque percebi que eles tinham uma história muito parecida com a nossa. É como se também estivéssemos sentados sobre um barril de pólvora", comentou a operadora da máquinas aposentada Liléia Nunes Leitão, 50 anos.

Há 17 anos, a aposentada convive com o mau cheiro e o risco de explosões causadas pelos gases da decomposição do lixo sob as casas. O maior medo dos moradores do Núcleo, porém, é o risco de desabamento das edificações devido à instabilidade do solo.

Uma das casas afetadas é a da doméstica Marlinda Tavares Omeda, 55. Do teto às paredes, o imóvel, está repleto de rachaduras. "Começou (a rachar) há uns dez anos, e não parou mais. Aqui tudo foi construido em cima do lixo. A casa não aguenta", disse Marlinda, que mora no local há 15 anos.

REMOÇÃO - Em 2000, a Prefeitura encomendou um estudo ao IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), que constatou a existência de diversos gases nocivos no solo do bairro. O mesmo laudo estabeleceu a necessidade de 800 das 1.490 famílias deixarem o local. Desde então, segundo Liléia, os moradores do núcleo são informados pela administração de que precisarão deixar o bairro. A remoção, porém, estaria paralisada. "Dizem que não existem áreas na cidade para construir casas para todos", completou Liléia.

Procurada, a Prefeitura informou que a "previsão de início de retirada das famílias (é) para o mês de agosto de 2010". Ainda segundo a administração, os recursos para a remoção estavam disponíveis desde a gestão anterior, do prefeito João Avamileno (PT), mas encontravam-se bloqueados pelo "Ministério das Cidades, devido a não utilização dos recursos no prazo especificado em contrato".

Ex-prefeito diz que tentou alertar sobre risco de ocupação

Prefeito de Santo André em 1987, quando foi iniciada a ocupação do Núcleo Espírito Santo, Newton Brandão (PSDB) afirmou que tomou medidas para evitar a ocupação da área, mas que não teve sucesso.

"Lembro que foram enviados funcionários da Prefeitura para o local, que explicaram para os invasores que aquela não era uma área apropriada para construção. Mas existiam outros interesses, e parece que ninguém deu ouvidos", comentou.

Segundo Brandão, os processos subseqüentes de urbanização da área foram um reflexo da falta de êxito em desocupar o local. "Já que eles se instalaram, alguma coisa tinha que ser feita", completou o ex-prefeito, que comandou o Executivo em três mandatos: de 1969 a 1973, de 1983 a 1988 e de 1993 a 1996.EE

Especialista define problema como muito grave

Para o professor da área de resíduos sólidos da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de Minas Gerais, Mauricio Waldman, a existência de um bairro sobre a área de um lixão deve ser vista com preocupação pelos governos.

"É uma situação muito grave, que pode ter consequências muito ruins, como aconteceu no Rio de Janeiro nesta semana e, no Grande ABC, no Condomínio Barão de Mauá, em Mauá, há alguns anos", comentou Waldman.

Segundo o professor, áreas que já foram utilizadas para o depósito de detritos não podem ser utilizadas para edificação, pois, além do problema de instabilidade dos solos, existe a possibilidade de contaminação por materiais tóxicos.

"Existe o risco para a saúde devido, primeiramente, à contaminação sanitária, química, ou, em algumas ocasiões, até radioativa. Um exemplo mais evidente é o risco de explosões, devido à existência de gases inflamáveis gerados pela decomposição dos materiais orgânicos no solo", afirmou.

Ainda segundo Waldman, um projeto de descontaminação da área de um lixão é possível, mas exige muito tempo e dinheiro. "Tudo depende do nível de contaminação do local. Mas este é um tipo de processo com um custo muito alto, que pode se estender por décadas até que a área esteja própria para uso", avaliou.EE

Condomínio foi construído em terreno contaminado

A cobinação de lixão e construção já resultou em morte no Grande ABC. Em abril de 2000, uma explosão de gás no Residencial Barão de Mauá, no Parque São Vicente, em Mauá, deixou um homem morto e outro ferido. Um levantamento posterior da Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental) apontou que o condomínio fora construido em um terreno contaminado por mais 44 tipos de resíduos industriais.

Antes de ser vendido à Paulicoop, cooperativa habitacional responsável pela construção do empreendimento, o local era utilizado de forma irregular como um depósito de lixo industrial, principalmente para o descarte da areia utilizada em fornos de fundição.

Há dois anos, uma decisão da Justiça autorizou um dos moradores do condomínio a sacar os recursos do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) para a compra de uma nova casa própria, abrindo um precedente para outros moradores do local.

Desde 2009, tanto as empresas responsáveis pela construção do residencial - a Paulicoop e as construtoras Soma e SQG -, quanto a antiga proprietária da área, a fabricante de autopeças Cofap, estão responsáveis pela realização de obras de avaliação ambiental do local.




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