Dá para fazer um filme com R$ 2 mil? Dá para fazer até com menos: R$ 1.860, que foi o que os diretores de Estrada para Ythaca garantiram ter gastado na produção do seu road movie. Sim, os diretores - Luiz Pretti, Ricardo Pretti, Guto Parente e Pedro Diógenes - são os próprios intérpretes. Luiz e Ricardo são irmãos gêmeos; Guto e Pedro são primos. Um filme de família. Funciona lindamente.
Há uma ideia, alguns jovens com vontade de fazer cinema. "Tínhamos um carro, nele cabiam quatro pessoas, nós éramos quatro e quatro acabaram sendo os personagens", diz Pedro. Nos primeiros planos, vemos amigos num bar, bebendo e falando. Resolvem ir para Ythaca, em busca do quê? Talvez de uma imagem, de alguém que perderam.
No meio da viagem, uma citação explícita. Uma encruzilhada, com dois caminhos possíveis - um, pela direita, que leva ao cinema de aventuras; o outro, pela esquerda, que conduz ao cinema do Terceiro Mundo, "perigoso, divino e maravilhoso". A música de Caetano e Gil, que tem esses versos, é cantada. Claro, você reconheceu aqui a citação: ela está em Vento do Leste, um dos filmes radicais de Godard em sua fase do Grupo Dziga Vertov. O "ator", no filme de Godard, é ninguém menos que Glauber Rocha.
As referências se sobrepõem - de Glauber, Godard e Sganzerla à mitologia e à Ythaca do poeta Konstantinos Kavafis. Os rapazes são, à sua maneira, seguidores do Ulisses mitológico. O filme constrói, em sua viagem, um processo de amadurecimento e de luto por um outro amigo, morto. Dessa viagem não há volta. Talento, intuição, boas fontes e um pouquinho de grana - e eis aí uma estreia promissora.
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