Internacional Titulo
‘Mudanças (em Cuba) vão melhorar a vida da população’
Adriana Mompean
Do Diário do Grande ABC
14/04/2008 | 07:05
Compartilhar notícia


Autor da consagrada obra De Martí a Fidel: a Revolução Cubana e a América Latina, Luiz Alberto Moniz Bandeira, doutor em Ciência Política pela USP e professor titular (aposentado) de História da Política Exterior do Brasil da Universidade de Brasília, acredita que as mudanças em Cuba deverão melhorar o nível de vida da população. Bandeira, que esteve algumas vezes na ilha e conheceu os líderes da Revolução, atualmente mora na Alemanha e concedeu entrevista ao Diário, na qual falou sobre as medidas implementadas por Raúl Castro.

DIÁRIO – O senhor está otimista em relação às mudanças implementadas em Cuba? Acredita que terão algum efeito econômico no dia-a-dia da população ou serão meramente medidas políticas?

LUIZ ALBERTO MONIZ BANDEIRA –As mudanças implementadas em Cuba certamente terão um efeito econômico e devem melhorar o nível de vida da população, que não pode viver permanente “período especial em tempo de paz”, assim chamado por Fidel Castro, em virtude do desmoronamento do Bloco Socialista.

DIÁRIO – A abertura econômica do governo Raúl Castro poderá de alguma forma descaracterizar os princípios da Revolução Cubana e desta maneira romper a igualdade social no país?

MONIZ BANDEIRA – De nada adianta a igualdade social, quando todo o povo está pobre e vive sob as mais severas restrições econômicas. Marx e Engels não conceberam o socialismo como via de desenvolvimento econômico e sim como via de distribuição da riqueza, que o capitalismo produz de forma excludente. O desenvolvimento econômico só é possível com a acumulação de capital. Assim socialismo não é um modelo econômico alternativo para o capitalismo, que foi o único modo de produção que se expandiu mundialmente. O socialismo só é possível como conseqüência do alto desenvolvimento das forças produtivas. A deturpação do pensamento de Marx e Engels, por Stalin, foi que levou a União Soviética e todo o Bloco Socialista ao colapso.

DIÁRIO – O senhor declarou na imprensa que o governo Raúl Castro iniciará uma rápida abertura econômica com grande aproximação com os países do Mercosul. Como deverá ser a relação com o Brasil?

MONIZ BANDEIRA – Não falei em rápida abertura econômica. Creio que ele promoverá a abertura, mas de forma gradual. E a aproximação do Brasil e dos demais países do Mercosul é necessária de modo que Cuba não fique a depender da Venezuela, como esteve a depender da União Soviética. O Brasil é o país, economicamente, mais adiantado da América Latina, a maior potência industrial, e poderá fazer muitos investimentos em Cuba. A Argentina também.

DIÁRIO – Uma maior proximidade com os países do continente poderá resultar em alguma abertura política?

MONIZ BANDEIRA – Maior abertura política é muito difícil devido exatamente à política agressiva dos Estados Unidos e ao comportamento dos exilados cubanos em Miami, que não querem reconhecer a revolução e pretendem restabelecer o statu quo ante. Certa flexibilização do regime, no entanto, já ocorre, tanto que as críticas e debates já se refletem na imprensa, sobretudo no órgão da Juventude Comunista.

DIÁRIO – O senhor já esteve em Cuba e conhece os dirigentes do país. Qual é a diferença entre os irmãos Castro? O que o governo de Raúl irá se diferenciar do governo de Fidel?

MONIZ BANDEIRA – Não se pode focalizar a questão sob esse ângulo, ainda que diferenças pessoais existam. A diferença consiste nas circunstâncias em que Raúl passa a governar, circunstâncias que determinam maior abertura econômica, inclusive como forma de legitimar a permanência do regime político, tal como ocorre na China e no Vietnã.

DIÁRIO – A entrega de terras ociosas, melhores preços para os produtores e a descentralização das decisões na ilha constituem o tripé da nova reforma agrária empreendida por Raúl Castro para aumentar a produção de alimentos. O campo constitui um dos maiores desafios do novo governo?

MONIZ BANDEIRA – A agricultura sempre constituiu o desafio de todos os governos, sobretudo daqueles oriundos de revoluções. A União Soviética nunca conseguiu resolver o seu problema agrícola. E até hoje os governos dos países da União Européia estão a subsidiar a agricultura. Fidel Castro, ao longo desses anos todos, efetuou várias mudanças na sua política agrícola e o fato de durante décadas, até o início dos anos 1990, depender da cana-de-açúcar foi muito negativo. E Cuba necessita agora de segurança alimentar.

DIÁRIO – Em sua opinião, existe alguma possibilidade, em curto prazo, do fim do embargo dos Estados Unidos contra Cuba? As relações entre os países poderão mudar, dependendo dos resultados das eleições norte-americanas?

MONIZ BANDEIRA – Há segmentos importantes, dentro dos Estados Unidos, que querem acabar com o embargo, que só tem prejudicado os negócios das próprias empresas dos Estados Unidos, bem como, sobretudo, o povo cubano, sem conseguir o objetivo político de derrotar o regime de Fidel Castro. Mas é muito difícil acabar o embargo enquanto a colônia cubana em Miami constituir importante fator na política interna dos Estados Unidos.

DIÁRIO –O senhor acredita que a sombra de Fidel Castro se projetará sobre os governantes cubanos? Enquanto estiver vivo, ele exercerá influência?

MONIZ BANDEIRA – Fidel Castro é a personalidade mais importante da América Latina no século XX. Sua sombra continuará a projetar-se dentro de Cuba, mesmo depois de sua morte. Ele é um herói nacional, um herói para grande parte dos povos latino-americanos, pois conseguiu resistir e enfrentar o Império durante 50 anos, e não foi derrotado. Isto, porém, não significa que reformas econômicas não ocorrerão. Cuba necessita fazê-las e Raúl Castro, mais pragmático que Fidel, compreende que o futuro do regime depende de do êxito econômico, ou seja, de que possa melhorar o nível de vida de la população. E isto é o que está tentando fazer, pois sabe que Cuba não pode viver isolada, a depender apenas do apoio da Venezuela.



Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;