Cultura & Lazer Titulo Fotografia
Uma câmera na coxia
Ângela Corrêa
Do Diário do Grande ABC
14/09/2008 | 07:34
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Para a fotógrafa Lenise Pinheiro, que se dedica há 25 anos ao delicado registro dos palcos e camarins, ruim mesmo é assistir a um espetáculo sem sua máquina fotográfica nos momentos de folga, e não o contrário. Profissão e paixão não se separam para ela. "Sempre acabo enxergando algo para fotografar", explica ela. É de exemplos desse olhar privilegiado que é composto o recém-lançado Fotografia de Palco (Edições Sesc SP, 456 páginas, R$ 135). Mais do que a retrospectiva de uma carreira, o exemplar é um bom mergulho histórico na produção teatral que passou pelo eixo Rio-São Paulo e, a partir de 1998, quando passou a colaborar com a Folha de São Paulo, também em outras regiões do Brasil.

O livro vem sido concebido há 11 anos, conta Lenise. A intenção de publicar as fotos facilitou inclusive o projeto gráfico, que também ficou sob sua responsabilidade. "Tirei muitas fotos já pensando em publicar em página dupla", diz. Em seu estúdio, que utilizou diversas vezes para ensaios com atores, foram contabilizados 87 mil fotogramas analógicos e 30 mil digitais, feitos a partir de 2005, quando adotou novo equipamento.

Lenise dividiu o livro em seis blocos de imagens: camarim, ensaios pessoais, figurinos, cenários, iluminação e, finalmente, as cenas. O capítulo dedicado aos momentos em que os atores se preparam nos bastidores expõe preciosos fragmentos de entrega diante do espelho. "A relação com o camarim é orgânica. O ator vê o que eu vejo e contribui muito", conta. "Foi uma intuição inicial. São momentos fugazes e é necessário bastante critério", afirma.

Nessa seção, flagrantes do recém-falecido Fernando Torres se arrumando ao lado da mulher, Fernanda Montenegro, antes da apresentação de Felizes para Sempre, em 1996. O ensaio com o dançarino japonês Kazuo Ohno, realizado em 1997, é um dos preferidos e descortina a transformação de Ohno em uma "senhora", pronta para entrar em cena.

Atriz e iluminadora

O teatro ganhou espaço na vida de Lenise aos 12 anos. "Escrevi, dirigi e atuei como protagonista de uma peça na escola. Experimentei pela primeira vez sensações incríveis que emanam mais da madeira do palco do que do próprio público", diz.

Conciliou todas as atividades com cursos no Teatro Oficina, com Gerald Thomas, Cibele Forjaz... Foi assim durante as faculdades de Arquitetura - que não concluiu, mas onde descobriu a fotografia - e de Rádio e TV, na qual se formou. Apesar da intensa relação com a dramaturgia, não tinha pretensões de se tornar atriz. "Atuei uma única vez, na montagem A Farra da Terra, do Asdrubal Trouxe o Trombone. Fiz workshops com eles e o clima era muito irreverente. Mas parei por aí", conta. A carreira como atriz se encerrou, mas não minou de vez o contato direto com a produção sobre o palco. Em 2006, ganhou o prêmio Shell pela iluminação de Inocência.

O espetáculo que Lenise considera como marco inicial da carreira de "fotógrafa de teatro" é Laços, de 1983, que tinha Cassiano Ricardo e Débora Evelyn no elenco. "Fazia alguns trabalhos para a Secretaria de Cultura e conheci esse pessoal. Eu levava as fotos, os atores gostavam tanto que compravam. Esse foi o estopim. Durante 15 anos eu sobrevivi dessa maneira", conta.

Hoje, além de se posicionar, quietinha, para conquistar os melhores ângulos ("prefiro fotografar sem o público, requer muita concentração e a platéia é uma guardiã do ator. Não vai entender que é um trabalho a menos que o ator quase pose para mim"), ela desenvolve o blog Cacilda de Teatro, com o jornalista Nelson de Sá. E é possível aproveitar bem o espetáculo enquanto se trabalha? "É sim, não se perde nada", garante ela, que não pretende se separar de sua câmera.




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