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Congresso argentino derruba imposto a exportações e coloca governo em crise

O projeto havia sido enviado pelo Governo e era motivo de um difícil conflito com os ruralistas

Da AFP
17/07/2008 | 07:58
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A presidente argentina Cristina Kirchner sofreu nesta quinta-feira uma dura derrota no Senado, que derrubou seu projeto de imposto às exportações de alimentos justamente com o voto de minerva de um parlamentar de suas próprias fileiras, o vice-presidente da República, Julio Cobos.

O Senado derrubou a iniciativa governamental peronista que tentava redistribuir as rendas e assegurar preços internos baixos para os alimentos através de uma maior pressão fiscal sobre as exportações de grãos e manufaturas agroindustriais, que este ano alcançam os 35 bilhões de dólares.

No entanto, para que fiquem sem efeito os procedimentos de tributação proposto para soja e cereais é preciso elaborar um decreto ou uma resolução do Poder Executivo para revogar a resolução do ministério da Economia, que a colocou em andamento em março, desencadeando uma histórica rebelião no setor rural.

Foi o vice-presidente Cobos, um dissidente da opositora União Cívica Radical (UCR, social-democrata), que desencadeou a suposta crise vetando a lei ao quebrar uma paridade de 36 votos no recinto da câmara alta, da qual é titular por norma constitucional e, por isso, tem direito de desempatar uma votação.

"Não estou traindo a presidente. Que envie outro projeto. Quero que se chegue a um consenso. A história me julgará", afirmou o vice, aliado de Kirchner até esta quinta, quando causou ao governo esta dura derrota parlamentar.

Cobos, de fato, passou assim para o lado da oposição, aliada dos patrões agropecuários contra o plano de governo de arrecadar apenas por direitos alfandegários 11 bilhões de dólares dos 24 bilhões de dólares da colheita de soja.

Momentos antes, o chefe do bloco de senadores no poder, Miguel Pichetto, disse que seria 'inacreditável que um vice-presidente votasse contra seu próprio governo, salvo que quisesse enfraquecê-lo, feri-lo de morte ou começar a aniquilá-lo".

"O vice-presidente causou um dano muito importante a seu Governo", alfinetou Pichetto ao terminar a sessão.

As autoridades do governo e seus habituais porta-vozes se mantiveram em silêncio depois da tensa votação.

Falando posteriormente à imprensa, Cobos desmentiu que tenha provocado uma crise política ao votar contra o imposto e que tenha a intenção de renunciar ao cargo.

"Não me passa pela cabeça renunciar. Seria trair a vontade popular, já que fui eleito de forma conjunta com a presidente e com igual quantidade de votos. Crise política seria minha renúncia e não vou renunciar", enfatizou.

O analista Rosendro Fraga opinou que a posição do vice-presidente confirma a divisão dentro do oficialismo e que a presidente Cristina Kirchner "vai ter mais governabilidade se aproximando mais de Cobos".

"A governabilidade não está em jogo. O que Cobos fez não foi votar contra o governo e sim a favor de uma Argentina que necessita de acordos e consensos. Estamos numa Argentina muito dividida", analisou, por sua vez, a consultora Graciela Rommer.

O líder da opositora União Cívica Radical (UCR), Gerardo Morales, falando à imprensa, garantiu que não há uma situação de golpe de Estado.

"A estabilidade do mandato de governo não está em perigo. Não há situação de golpe de Estado. Não há 'grupos de tarefas'. É preciso dialogar e reconhecer os que pensam diferente", afirmou o senador Morales.

O ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007) afirmou nesta semana, em um comício, que havia setores golpistas entre seus partidários e tentativas de destituir a presidente.

A última crise causada por um vice-presidente ocorreu durante o governo do conservador radical Fernando de la Rúa (1999-2001), que caiu em meio a uma rebelião popular, um ano e meio depois da renúncia de seu companheiro de fórmula, o centro-esquerdista Carlos Alvarez.

Néstor Kirchner, marido da presidente, assegurou que o Governo respeitaria a decisão do Congresso, e reiterou que o objetivo oficial é impedir que 'na mesa dos argentinos pesem os preços internacionais dos alimentos'.

Os Kirchner converteram a lei de impostos às exportações na pedra angular de seu governo, com o argumento de que se trata de um plano de redistribuição da riqueza, em um país que ainda tem 12 milhões de pobres, numa população de 40 milhões de pessoas.

A Argentina é o primeiro exportador mundial de farinhas e azeites de soja, o quarto de trigo, o segundo de milho e o terceiro em grãos de soja, segundo a secretaria de Agricultura dos Estados Unidos.

Após a votação, as comemorações tomaram conta durante o amanhacer desta quinta em Palermo, onde estavam concentrados os líderes ruralistas que mantiveram o confronto com o governo por causa da medida para aumentar substancialmente os impostos e aplicar uma tabela flutuante, cuja taxa aumentava à medida que os preços internacionais aumentassem.

A metade da colheita agrícola total do país, de cerca de 100 milhões de toneladas na safra 2007-2008, continuava retida nesta quinta pelos agricultores, atacadistas e exportadores que argumentavam a incerteza e o mal-estar causados pelo projeto.

A iniciativa, segundo a argumentação oficial, visava a gerar fundos adicionais de imposto para construir hospitais, moradias e estradas no interior.

A soja ocupa mais de 50% da superfície cultivada na Argentina e é considerada o 'ouro verde' do século XXI' no país, onde nos últimos meses toda a oposição se uniu aos agricultores para realizar gigantescas manifestações contra a proposta tributária do governo.




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