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‘Brasil poderia extinguir Senado, como na Itália’, diz Fausto Longo
Gustavo Pinchiaro
Do Diário do Grande ABC
03/09/2014 | 07:18
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Andréa Iseki/DGABC


Senador italiano eleito para representar a América do Sul, o ítalo-brasileiro Fausto Longo (Partido Democrático) participa da reforma política da Itália em que o Senado será extinto para dar lugar a uma Câmara composta por governadores, prefeitos de capitais e presidentes das assembleias legislativas. Filiado ao PMDB no País e funcionário da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), ele sugere que o mesmo modelo poderia ser aplicado no Brasil. Como o tema é sempre pauta eleitoral e frustra expectativas de sair do papel, Fausto propões troca de experiências com políticos brasileiros.

“Na Itália, o Congresso foi transformado em constituinte, porque a Suprema Corte considerou a eleição ilegítima, antidemocrática, inconstitucional. Isso obrigou a revisão da Constituição. Neste contexto poderia se pensar em novo formato de Senado. Veja a economia que seria. Cada senador tem cargo, secretária, equipe técnica, tem tudo”, contextualiza Longo, em entrevista exclusiva ao Diário.

O caso Cesare Battisti, considerado terrorista na Itália e condenado à prisão perpétua, mas que fugiu para o Brasil e o governo brasileiro negou os pedidos de extradição da Itália, foi avaliado de forma passional por ambas as nações, na ótica do senador ítalo-brasileiro.

Condenado no julgamento do Mensalão, o ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, fugiu à Itália, entrou com passaporte do irmão e foi condenado a 12 anos de prisão por estelionato. “São casos diferentes e sem ligação. A Itália não vai ser imatura de fazer vingança, ninguém de lá compara os casos”, afirma o senador, que também cita articulação para construção de hospital com recursos italianos em São Paulo.

O sr. está intermediando a construção de hospital ítalo-brasileiro em São Paulo. Como está a negociação?
Quando fui eleito, fiz três propostas que carregava como objetivo. A primeira delas era resolver de uma vez por todas a eficiência do atendimento do consulado para italianos, ou aqueles que são de fato, mas não são de direito. Tem de ter bom atendimento. A segunda é promover a aproximação do setor industrial paulista, do Brasil com o da Itália. E a terceira meta é que a gente ouvia que os italianos não tinham a atenção devida na Saúde. O arquiteto Renzo Piano, autor do projeto do maior prédio de Londres, é senador vitalício da Itália. Falei para ele que São Paulo gostaria de ter obra dele e não tinha nenhuma na América do Sul. Disse a ele que estamos querendo fazer um hospital para devolver aos ítalodescendentes, só que não temos dinheiro para pagar o projeto. Ele nos deu o projeto, que custa 15 milhões de euros. O senador Vittorio Fravezzi nos deu o projeto executivo feito pela Ata Engenharia, são mais 15 milhões de euros. Procurei o prefeito da Capital, Fernando Haddad (PT), expliquei o projeto e ele me doou terreno de 51 mil metros quadrados na Mooca. Fui a São José dos Campos e expus o projeto, um empresário nos deu o laboratório completo de análises, todo equipado. Espero que em cinco anos a gente consiga entregar. Tenho vergonha de andar em São Paulo ver hospitais Sírio-Libanês, Israelita, Nippo-brasileiro, Beneficência Portuguesa e não ver nenhum ítalo-brasileiro.

O sr. assumiu o mandato em momento de crise na economia da Europa. Houve dificuldade?
A gente fica um pouco desiludido com a situação que estamos vivendo na Itália. A comunidade italiana na América do Sul não enxerga essa situação. A Itália é a quinta economia do mundo e terceira europeia. Porém, existe crise fiscal, economia severa que precisa ser superada. Temos hoje 18% de evasão escolar, 43,9% de taxa de desemprego entre jovens de 16 e 28 anos de população que tem 60% na terceira idade. Entre 5 milhões de italianos na linha da pobreza, 1 milhão passam fome. A Itália precisa reorganizar sua economia de acordo com as regras da União europeia e enfrentar o problema. Hoje temos o primeiro-ministro Matteo Renzi, jovem de 39 anos, que me parece bastante empenhado em pôr um programa severo de investimento para recolocar a Itália no caminho do desenvolvimento.

Com esse cenário, a atividade consular poderia ser expandida?
Nós propusemos que, para quem teve a cidadania italiana reconhecida, haveria taxa consular voluntária. Seria contribuição para reestruturação dos consulados e ajudar quem tem o direito e não consegue obter (a documentação). Imagina: tem dois ou três funcionários para atender 580 mil processos que estão parados. A Itália não investe e não dá estrutura suficiente para quem tem o direito à cidadania. É luta que continua. O sistema é o mesmo do Brasil, paritário, em que o Senado e Câmara Federal têm o mesmo papel. Isso atrapalha a vida da Itália é um problema grave.

Um problema por conta dos gastos?
Sim. Por isso o Matteo Renzi, em conjunto com alguns senadores e deputados, propôs uma lei que extingue o Senado a partir da próxima eleição. Nós votamos a favor. É difícil um político votar contra o próprio cargo, mas é pelo bem da Itália. Uma reforma muito séria. Vamos eliminar a burocracia entre esse pingue e pongue de leis, que chegam a ficar 15 anos paradas. É absurdo. Se em 15 dias já muda a realidade, imagina 15 anos... Acabei virando um senador constituinte, estamos reformando a constituição e esse é o primeiro ato. Extingue o Senado e cria Câmara paritária: a dos Deputados. A Câmara representa o povo e o Senado, o Estado, território, assim como no Brasil. Vamos fazer um Senado, em vez de 320 senadores de hoje, com custo de 16 milhões de euros ao mês, formado pelos governadores, presidentes das assembleias legislativas e prefeitos de capitais. Será um conselho que se reunirá só para avaliar leis que a Câmara dos Deputados votou que diz respeito ao seu Estado. Está aprovado pelo Senado, foi enviado à Câmara e deve permanecer lá até outubro, depois volta com algumas correções, vamos aprovar.

Essa reforma política que corta na própria carne poderia servir de exemplo para o Brasil?
É exemplo para o mundo. A classe política percebeu que para recuperar a autoestima do cidadão, a classe política tem de dar o exemplo. Graças a esse governo, do Matteo Renzi, a Itália está conseguindo se recuperar. Vai mudar a estrutura, a forma de encaminhar processo. Vai ser mudança para melhor, menos burocrática. A forma como essa pessoa vai votar no prefeito e nos deputados, quando forem escolher o presidente da assembleia. Será diferente, com outro olhar. A figura do senador do Exterior, como no meu caso, desaparece, pois a América do Sul não pertence à Itália. Mas vai continuar tendo espaço para quatro deputados, que representam o povo. É triste, pois serei o primeiro e último ítalo-brasileiro eleito para o Senado. Para o Brasil daria certo e seria muito positivo e saudável.

Como o Senado brasileiro receberia uma proposta dessas?
Com grande dificuldade. O senador no Brasil é considerado representante do Estado e é votado majoritariamente. Quem é o mais adequado para defender os interesses do Estado na divisão do bolo do que o governador, o presidente da assembleia ou prefeito da Capital? Não acho que a Marta Suplicy (PT), o Eduardo Suplicy (PT), o Aloysio Nunes (PSDB) tenham mais possibilidade de empenhar-se e conhecer os investimentos do Estado. Acho difícil aplicar aqui, porque teria de haver reforma constitucional. Precisaria eleger senadores e deputados com a missão constituinte. Na Itália, o Congresso foi transformado em constituinte, porque a Suprema Corte considerou a eleição ilegítima, antidemocrática, inconstitucional. Isso obrigou a revisão da Constituição. Neste contexto poderia se pensar em novo formato de Senado. Veja a economia que seria. Cada senador tem cargo, secretária, equipe técnica, tem tudo. O presidente da Assembleia, o governador e o prefeito da Capital também. Tornaria algo mais efetivo e compreensivo por parte da população. Hoje, temos dois senadores do PT e um do PSDB, governador é tucano e a presidente petista. Qual força tem o governador na briga por verbas para o Estado? É complicado. A briga deveria ser pelo Estado e não pelos partidos. A disputa boba prejudica o Estado.

O que o governo pretende fazer com a verba que economizar no corte do Senado?
O pensamento é de ajustar a estrutura burocrática à realidade do país, Itália deveria difundir a língua italiana, criar curso on-line para qualquer italiano aprender. A Itália não percebeu ainda que não pode desprezar 80 milhões de ítalodescendentes que vivem fora do país e que podem se caracterizar como mercado consumidor. Defendem a Itália sem nem saber o que está acontecendo lá. Por que não tirar proveito dessa paixão pela Itália, pelo design, pela comida e pelas marcas italianas?

O caso Cesare Batisti abalou a relação entre os dois países?
Sim. Nos ambientes popular e econômico, não. Mas o ambiente político sim. As instituições democráticas esperam que você tenha o mesmo grau de maturidade. Lá ele é considerado criminoso comum, aqui ele foi tratado como criminoso político. Ele matou um açougueiro, uma pessoa que não tem nada a ver com política. E quando uma vida é tirada e o Estado não pode repor, alguém tem de pagar o preço. Tem de cumprir a pena.

O sr. acha que o Brasil foi imaturo?
Acho que houve avaliação passional do caso e a Itália também fez avaliação passional. Foi agressão à decisão tomada pela Justiça italiana. Quando ocorre a prisão do (Henrique) Pizzolato (ex-diretor do Banco do Brasil e condenado no processo do Mensalão) agora, a Itália demonstrou coerência. Ele entrou no país com documento do irmão e foi preso por estelionato. Vai cumprir 12 anos de reclusão, que é o que prevê a lei italiana. Agora cabe à Justiça brasileira pedir a extradição, por série de acordos. A Itália pode dizer ‘sim’ ou ‘não’, porque ele é italiano e brasileiro. No caso do Battisti não tinha essa justificativa, ele não é brasileiro. Teria de ter extraditado. São casos diferentes e sem ligação. A Itália não vai ser imatura de fazer vingança, ninguém de lá compara os casos.




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