Materiais que poderiam ir para o lixo se transformam em enfeites para adornar jardim
Algo que esteja no lixo não significa, necessariamente, que seja inutilizável. Tanto é que muitos dos materiais descartados por aí se renovam no jardim da casa do cabeleireiro Benedito Eustáquio Gualberto, 68 anos, morador do bairro Santana, em Ribeirão Pires. O local é recanto botânico com variedade de espécies de plantas cultivadas em vasos adaptados, ou seja, objetos retirados do lixo e que se transformaram por meio da criatividade do simpático senhor.
Um dos recipientes, por exemplo, foi feito com a base de um filtro de água quebrado. Há flores plantadas dentro de fruteiras, baldes, pneus, manilhas. “Tudo seria jogado fora, mas reaproveito”, conta ele que, desde criança, sempre foi apaixonado pela flora. Já a criatividade para adornar seu jardim, garante que surgiu por acaso. “Quando tinha 50 anos, procurei algo para me distrair aos fins de semana. Andando por aí, encontrava algumas coisas jogadas, as ideias vinham na minha cabeça e comecei a fazer esses trabalhos manuais para enfeitar o jardim.”
O espaço ganhou um chafariz, desenvolvido a partir de um cone de sinalização de trânsito. “Envolvi o cone com tela de arame, depois passei cimento-cola e fui colocando pedrinhas de argila que comprei em uma loja de paisagismo a R$ 2 cada saquinho. Aí, coloquei o cone em uma caixa-d’água de 1.000 litros cortada ao meio e, nas bordas da caixa, também colei as pedras de argila. Em cima do cone foi colocada a metade de um filtro de água, um porta-copos e o chuveirinho do banheiro, e coloquei uma bomba na caixa para que a água pudesse jorrar”, explica. Na fonte desenvolvida por ele, trabalho que durou cerca de quatro horas para ser concluído, Gualberto criou oito carpas.
Recipientes abandonados porque estão desgastados também são repaginados pelas mãos do cabeleireiro. “Encontrei um vaso na rua e, ao chegar em casa, passei escova de aço nele, depois fui fazendo alguns efeitos de tinta com um pincel e ficou novinho. Em outra situação, achei um vaso quebrado em quatro partes. Remontei com cimento-cola, depois passei textura e ficou muito bonito”, orgulha-se.
Em outro caso, fôrmas de bolo colocadas sobre manilhas viram suporte para vasos. “Tinha um monte de fôrmas jogadas. Passei cimento para fechar os orifícios, fixei nas manilhas, pintei e estavam prontos uns banquinhos para colocar os vasos.”
O reaproveitamento de materiais descartados também vale da porta para dentro. “Peguei madeira que iam jogar fora e usei para revestir as paredes da cozinha e do quarto.”
Para o cabeleireiro, as criações são uma terapia. “E põe terapia nisso. Quando começo a transformar o que era lixo, em um instante os problemas vão embora. Além disso, ajudo o meio ambiente. Se todo mundo fizesse algo nesse sentido, o mundo seria melhor”, salienta.
Por ser baixo o muro de sua residência, a exuberância do jardim chama a atenção de quem passa. “Um dia um turista escocês passou na frente de casa e ficou admirado, tirou um monte de fotos. Quem vê acha maravilhoso. Tudo o que tem aqui são coisas que vem na cabeça e faço. Sou criativo ou não?”, indaga, em tom brincalhão.
Respondendo a sua pergunta, o senhor é criativo, sim, Gualberto. E mais que isso: é um grande aliado da natureza, que tanto precisa de parceiros assim.
Detritos ajudam na castração de animais
Dar utilidade a materiais que, para muitos, não têm mais valia nenhuma é mesmo o forte do bairro Santana. A manicure Magaly Aparecida de Souza, 68 anos, destina os recursos obtidos com a venda de recicláveis para castrar animais mantidos por diversos moradores, mas que vivem na rua, ou aqueles que têm como proprietários carentes.
Em 2001, Magaly participava de um grupo que tinha como bandeira resgatar cães que sofriam maus-tratos. Iniciou a coleta seletiva em prol da causa. Com a morte da idealizadora da equipe, ela se desligou da organização, mas continuou separando o lixo que poderia ser reutilizado, contando com o apoio da amiga Memorina de Oliveira, 54 (saiba mais sobre ela abaixo). “A Memorina passava em todas as casas do bairro para pegar o lixo reciclável e trazia para a minha casa, onde eu separava. Mas aí, oito anos atrás, contraí uma grave doença pulmonar e não tive mais condições de fazer essa triagem. Fiquei apenas com as latas de alumínio, porque é mais fácil para juntar, embalar e mandar para vender”, conta.
Os vizinhos que ainda colaboram com a doação de materiais encaminham a um depósito, no Centro da cidade, no qual o proprietário pesa e faz o pagamento a Magaly. Como a quantia não é suficiente para bancar as castrações (a venda resulta em torno de R$ 100), 34 pessoas contribuem com até R$ 50 e ela própria inteira com o que recebe fazendo as unhas das clientes. As cirurgias são feitas em parceria com uma clínica veterinária, que cobra preço mais acessível (até R$ 120).
Magaly usa uma fábula para explicar o porquê de o projeto, denominado Amigos dos Animais, valer a pena, apesar de ser um trabalho árduo. “Havia um incêndio na mata. Um beija flor ia à praia, enchia o biquinho de água e voltava para jogar no incêndio. Perguntaram a ele de que adiantava uma gota para apagar o fogo e ele respondeu que, se juntassem outras gotinhas, seria possível. Então, se cada um fizer um pouco, a ação se torna muito grande e o nosso objetivo não é só fazer algo pelos animais, mas para o planeta, que está doente, mas a maioria das pessoas não vê isso.”
Moradora é exemplo de determinação
Engajada na defesa dos animais e na preservação do meio ambiente, a dona de casa Memorina de Oliveira, 54 anos, também é conhecida pela determinação para fazer a diferença na sociedade. Nascida em um pequeno vilarejo do interior de Minas Gerais, ela chegou a São Paulo aos 15 anos, sem saber ler nem escrever, venceu os obstáculos e, em 2011, ingressou na faculdade.
A vinda a São Paulo foi decidida pelo pai, Antonio Vieira, que queria proporcionar estudo a ela e aos outros nove filhos, oportunidade que ele e a mulher não tiveram. “Vivíamos em lugar tão longe da cidade que não tinha condições de estudar. Trabalhávamos na roça fazendo farinha, fubá e criando gado, até que meu pai vendeu tudo o que tinha para nos trazer a São Paulo para estudar, por isso, sempre nos esforçamos”, conta.
Após dois dias de viagem, chegaram a Rio Grande da Serra, onde ela e os irmãos, então, conheceram uma escola. Memorina fez supletivo e tomou gosto pelos estudos. “Comecei a querer estudar um monte de coisas ao mesmo tempo. Trabalhava em indústria e, como não tinha condições de pagar uma faculdade, fazia cursos gratuitos e bancava aulas de inglês”, recorda.
Casada e com dois filhos criados, ela decidiu voltar a estudar após três décadas. Obteve boas notas no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e conquistou uma vaga para o curso de Terapia Ocupacional na Faculdade de Medicina do ABC, onde se forma no ano que vem. A profissão lhe possibilitará continuar atuando no setor social, já que a área trabalha no desenvolvimento, tratamento e reabilitação de pessoas com distúrbios físicos e mentais e com desajustes emocionais e sociais.
“Entrar na faculdade depois de 30 anos sem estudar foi um marco importante. Quero ser um exemplo aos jovens, para que não desanimem, que façam de tudo para estudar, pois os estudos não são úteis só para adquirir conhecimentos, mas também para nos tornarmos úteis à sociedade.”
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