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Conciliação é o caminho da Justiça, afirma Amorim, desembargador do TJ-SP

O desembargador do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) José Roberto Neves Amorim afirmou que conciliação e mediação são o futuro do Judiciário brasileiro.

Cynthia Tavares
18/03/2014 | 07:11
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Marina Brandão/DGABC


 O desembargador do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) José Roberto Neves Amorim afirmou que conciliação e mediação são o futuro do Judiciário brasileiro. O magistrado é coordenador do Cejusc (Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania) no Estado e já abriu 104 postos de atendimento. O conselho é responsável pela política de acordos para evitar o ajuizamento de ações. Somente em conflitos de família, o trabalho conseguiu evitar cerca de 20 mil processos em 2013 – 93% de resolução dos casos. “É uma mudança de cultura. Não é uma coisa que vai acontecer de hoje para amanhã. Estamos tentando sair da cultura do litígio para a cultura da paz. As pessoas demoram a entender que esse é o caminho mais fácil”, afirmou. A intenção é abrir mais 200 Cejuscs nos próximos dois anos. Amorim, conselheiro do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) entre 2011 e 2013, analisou o julgamento do Mensalão. Para ele, as penalidades não foram justas, pois as análises sofreram politização. “Tivemos momentos técnicos e momentos políticos”, declarou. O desembargador destacou que muitos dos envolvidos já entraram condenados no processo. Em entrevista exlcusiva ao Diário, o magistrado falou sobre sua trajetória no Grande ABC. No dia 26 ele receberá título de cidadão são-caetanense.

 

DIÁRIO – O sr. recebe título de cidadão são-caetanense no dia 26. O sr. teve uma passagem pela cidade. O que o lembra? Qual caso que mais o marcou?

AMORIM – Fiquei lá como juiz substituto em 1984 e voltei como titular em 1985 e fiquei até 1990. Fui juiz na 2ª Vara Criminal e da 4ª Vara Cível e diretor do Fórum por dois anos – de 1988 a 1990. O caso mais polvoroso foi de um homem que aplicava o dinheiro das pessoas, não conseguiu pagar e deu um tombo em vários cidadãos do Grande ABC. Houve uma grande comoção e ele foi condenado. Ficou foragido um tempo e depois foi assassinado em frente à Praça da Sé. Eu o condenei civilmente e criminalmente. Ele acabou com muitos patrimônios. O título é uma honra que está sendo concedida pelo vereador Eder Xavier (PCdoB), que só me envaidece.

 

DIÁRIO – Sua família também tem uma história no Grande ABC. Qual é a ligação com a região?

AMORIM – O primeiro juiz de trabalho da região foi meu pai, em São Bernardo. O fórum trabalhista da cidade leva o nome dele: juiz José Amorim. Ele também foi professor na Faculdade de Direito de São Bernardo. Meu pai ganhou vários títulos pelos serviços prestados numa época difícil. O ex-presidente (Luiz Inácio) Lula (da Silva) ainda fazia discursos pelas portas de fábricas. Meu pai era um conciliador nato. Saía da Justiça para fazer homologação nas fábricas. Era um juiz diferente.

 

DIÁRIO – O sr. tem livro sobre nome da pessoa física no Brasil. Ainda é difícil trocar nome no País?

AMORIM – Hoje está mais fácil. O livro foi minha defesa do mestrado. Quando escrevi foi em 2003, quando veio o novo código civil (em 2002). O texto veio flexibilizando. Fui o primeiro a escrever sobre o caso e as possibilidades de mudança, inclusive no caso de transexuais. Explicando alteração de nomes vexatórios. Antigamente, o cartório não podia recusar. Hoje o cartório, se perceber que é vexatório, não é obrigado a registrar e consulta um juiz corregedor. Como temos homonímia muito grande, há possibilidade de incluir o nome dos avós. Ela entra com pedido e o Judiciário defere.

 

DIÁRIO – Como o sr. iniciou o trabalho de política de conciliação no Judiciário?

AMORIM – Começamos a fazer um trabalho no País, que tem 92 milhões de processos em andamento, uma entrada de 28 milhões de processos somente em 2013. O Poder Judiciário tornou-se inoperante no sentido de conseguir decidir tudo isso. Desde 2011, quando fui para o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), onde fiquei até 2013, comecei a implantar a política pública da conciliação e da mediação. Estamos instalando o 104º Cejusc (Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania). A entidade serve justamente para isso: para que as pessoas não precisem ajuizar ações. Elas vão poder resolver isso com utilização de conciliadores e mediadores capacitados, que fazem curso. Essa equipe vai poder ajudar as pessoas a resolver conflitos.

 

DIÁRIO – Também diminuem as custas processuais.

AMORIM – A pessoa vai se sentir assessorada para solucionar seu conflito sem a necessidade de interpor um processo e ficar anos discutindo um valor que muitas vezes não é compensatório no final do processo. Quando o juiz proferir a sentença e isso se tornar irrecorrível, não vale a pena receber o valor, porque se tornou irrisório. Um processo custa hoje R$ 1.400 para o Estado – o valor corresponde a pagamento de juiz, servidores, luz, água, telefone, papel, xerox. Em muitos processos, isso não é o valor discutido na ação. O gasto é maior para solucionar. Queremos que os processos possam ser agilizados e as pessoas parem de ajuizar casos que não há necessidade da participação de um juiz. Quando o juiz dá uma sentença, fica difícil a parte se convencer. Porque é uma terceira pessoa aplicando sua vontade. Na conciliação e mediação temos o contrário: a satisfação da pessoa em ela mesma resolver seu conflito.

 

DIÁRIO – Qual a reação da sociedade diante do trabalho? Vem crescendo a adesão?

AMORIM – Se analisarmos na área de família, os índices chegam a 93% de solução. Marcamos 22 mil audiências e realizamos 20 mil acordos em 2013. Isso significa que tiramos do Judiciário 20 mil processos. É uma mudança de cultura. Não é uma coisa que vai acontecer de hoje para amanhã. Estamos tentando sair da cultura do litígio para a cultura da paz e demora a ser alterada. As pessoas demoram a entender que esse é o caminho mais fácil. Estamos trabalhando com a divulgação do Cejusc. No Grande ABC, os conselhos estão localizados em São Bernardo (Rua 23 de maio, 107, Vila Tereza) e em São Caetano (Rua Santo Antonio, 50).

 

DIÁRIO – Existem outras medidas que podem diminuir o alto de número de processos, como informatização e contratação de novos juízes. Qual sua avaliação?

AMORIM – Isso não alivia o Judiciário, apenas dá serenidade aos processos. O processo eletrônico é fantástico. Vamos acabar com as pilhas de processos que estão arquivadas. O TJ-SP gasta mais de R$ 30 milhões por ano para manter papel que não se usa mais. Ações arquivadas e mortas, porque não pode incinerar. Número de juízes resolve o que está em andamento, mas daqui a pouco, com o crescimento da conciliação e mediação, eles vão ficar ociosos. Ao invés de investir no juiz, tem que investir na mudança de cultura, que é mais importante. A conciliação é o caminho da Justiça.

 

DIÁRIO – Em todas as áreas? Até mesmo na criminal?

AMORIM – Sim. Fizemos no CNJ e os conselheiros estão trabalhando no manual de mediação criminal. É mais complexo, mas não tem como fugir a isso. Acho que vai ser mais fácil do que em muitos casos de família, por exemplo. Quando a pessoa cometer um delito de mediar, ele pode indenizar a família. Além da penalidade, às vezes vai ter que indenizar. Na mediação pode ser mais fácil. Logicamente que os crimes mais violentos têm de ser levado à Justiça com presença do Estado para condenação e encarceramento, mas outras medidas podem ser aplicadas.

 

DIÁRIO – Quais os planos de expansão dessa modalidade?

AMORIM – A cultura está com a gente e é concreta. Temos no Brasil 550 Cejuscs, só em São Paulo são 104. Vamos instalar mais 200 nos próximos dois anos.

 

DIÁRIO – Como sr. enxerga o debate sobre a politização do Judiciário, que ficou latente no julgamento da Ação Penal 470 (Mensalão)?

AMORIM – A politização da Justiça por um aspecto é boa e por outro, nociva. O Judiciário não pode julgar politicamente, mas tecnicamente. Sou contra o julgamento político. O juiz é técnico e tem que julgar com técnica: conceito. Logicamente, o juiz tem o lado da interpretação, mas tem que adequar os fatos às normas jurídicas. Não pode condenar porque é daquele partido. O juiz tem de ser sereno. A técnica tem que imperar, principalmente numa ação como a 470, para evitar qualquer dúvida no que está sendo julgado.

 

DIÁRIO – A técnica imperou?

AMORIM – Não. Tivemos momentos técnicos e momentos políticos. Achei as penas exageradas. Fugiram da técnica. Precisavam ser mais técnicas.

 

DIÁRIO – A pressão popular não influenciou?

AMORIM – O juiz não pode estar afeto à pressão popular sob pena de causar injustiça. A pior coisa que o ser humano pode sofrer é entrar condenado. Nossa Constituição é cidadã, que prima pelo direito da ampla defesa. O juiz não pode enxergar alguém como condenado ou como devedor. Ele tem que apurar no processo e decidir com sua convicção. Muitos entraram condenados pela situação popular que se criou. Eles entraram condenados.

 

DIÁRIO – O sr. proferiu sentença na qual condenou duas mulheres a pagarem R$ 20 mil de indenização por ofensa na rede social. Dá para colocar limites na internet?

AMORIM – Existem regras e respeito. Curtir algo é uma coisa. Algo íntimo. No momento em que compartilho uma ofensa, estou dando espectro maior de algo que pode não existir. Se eu ofendo alguém na internet, você compartilhou, seu grupo ficou agregado ao meu e assim sucessivamente. Internet é viral e em dois dias o Brasil acha que você é bandido. Todo autor que compartilhou a ofensa é coautor da ofensa.




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