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Mostra reúne os mestres orientais do Ukiyo-ê
25/02/2014 | 08:30
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Quando se fala em Ukiyo-ê, a tradicional técnica de gravura japonesa, os artistas lembrados automaticamente são Hiroshigue e Hokusai. No entanto, Utagawa Kunisada (1786-1865), em sua época, foi igualmente ou até mais valorizado por sua capacidade de adaptação ao gosto popular, mudando frequentemente de estilo e trabalhando em outros suportes - além de gravador, ele era pintor e ilustrou livros. Kunisada até colaborou com Hiroshigue em três séries de gravuras (entre 1840 e 1850), como forma de reagir às restrições provocadas pelas reformas políticas introduzidas no Japão em 1842, entre elas a proibição de imigrar para Edo (atual Tóquio) decretada pelo xogunato Tokugawa.

Kunisada é a estrela absoluta da exposição Ukiyo-ê, e Hoje, que abre nesta terça-feira, 25, na Galeria Deco, reunindo, além de seis trípticos e um políptico de Kunisada, um tríptico de Tsukioka Yoshitoshi (1839-1892), obras que dialogam com a produção de contemporâneos como a artista japonesa Yayoi Kusama (que ganha retrospectiva no Instituto Tomie Ohtake em maio), Kazuo Wakabayashi, que chegou ao Brasil em 1961, e os nisseis Takashi Fukushima e James Kudo.

A mostra, organizada em parceria com a Musashino Art University de Tóquio, Museu Afro Brasil e o Ateliê Fidalga, reflete a influência do Ukiyo-ê na obras desses contemporâneos de diferentes gerações, explicada pelo colecionador Roberto Okinaka. "Na cultura japonesa, tradição e modernidade convivem naturalmente", diz ele, que cedeu as raras gravuras de Kunisada para a mostra. "Kazuo Wakabayashi, por exemplo, apresenta elementos reconhecíveis quase ?cifrados? submetidos à composição, enquanto a exuberância delirante do ?brocado?, tão ukiyo-ê, está evidente nas obras de Yayoi Kusama", analisa Okinaka, destacando também a "intensa vibração cromática de James Kudo apoiada no mesmo efeito".

É possível ver a ilustração dessa análise nas duas fotos que ilustram essa página. É clara a ressonância da maior, uma gravura do século 19 assinada por Yoshitoshi, chamada Paisagem ao Entardecer na Ilha de Tsukuda, na obra de Yayoi Kusama, artista pop com transtorno obsessivo, hoje com 85 anos, cuja obra é marcada por pontos e bolas. Como Yayoi, Yoshitoshi, que sofreu um colapso mental em 1872, era igualmente atraído pelo Ocidente e obcecado pela construção de novas formas. Contudo, ambos acabaram se voltando para a cultura japonesa, encontrando nela um porto seguro. Yoshitoshi, considerado o último grande mestre do Ukiyo-ê, resistiu às inovações tecnológicas ocidentais (a fotografia, por exemplo) no século 19. Isso não impediu que suas gravuras fossem mais impressionantes que as imagens produzidas no Ocidente.

Há violência e paixão nas obras de Yoshitoshi, algo que não escapou aos olhos de escritores contemporâneos como Tanizaki (1886-1965), mas em igual proporção ele produziu gravuras líricas como o jogo amoroso entre prósperos senhores e gueixas - e Yoshitoshi teve como amante uma delas, que chegou a vender suas roupas para sustentar o artista. A gravura maior desta página, aliás, traz três delas disputando a atenção de uma elegante figura masculina.

"A arte erótica foi praticada por quase todos os artistas do Ukiyo-ê, principalmente a partir do final do século 18", observa o especialista Roberto Okinaka, lembrando que o advento do estilo Ukiyo-ê, técnica similar à xilogravura difundida no período Edo (1603-1867), "está intimamente ligado ao distrito de Fujiwara". Ele compara Fujiwara, na antiga Edo (hoje Tóquio), ao bairro boêmio de Montmartre, em Paris. Prostitutas e atores do teatro kabuki foram retratados por muitos artistas do Ukiyo-ê, destacando-se entre eles nomes como os de Toyohara Kunichika (1835-1900), que ilustrou a cena urbana e a sociedade de Tóquio com cores fortes (literalmente).

Se Yoshitoshi concebia suas histórias sobrenaturais como cenas do teatro kabuki, conforme análise de Okinaka, Kunichika criou cenas que bem poderiam estar num mangá atual. O colecionador explica que o termo mangá, hoje aplicado aos quadrinhos, "refere-se, originalmente, a um único álbum composto por Katsushika Hokusai com diversos estudos, caricaturas e anedotas, personagens tão variados como mendigos, trabalhadores do campo, figuras mitológicas, animais e crianças brincando". A fragmentação da página em campos narrativos, conclui Okinaka, é o embrião da história dos comics, "de Windsor McKay a Frank Miller, de Osamu a Hervé". Há na mostra artistas que buscam inspiração em mestres japoneses ainda mais antigos que os citados. James Kudo, por exemplo, que revisita a obra do refinado Ogata Korin (1658-1716). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.




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