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Olhares se cruzam, conversas prosperam, as mãos se tocam e, subitamente, o coração dispara. Os gatilhos para que uma paixão ocorra são os mesmos em qualquer idade. Porém, quando se trata de quem já viveu muito, o romantismo adormecido tende a acordar com força total.
Por isso, os casais da terceira idade não costumam perder tempo. Quando encontram um novo companheiro, querem logo estabelecer uma vida em comum.
Mas, enquanto o coração ouve as doces sonatas de Rachmaninoff, a cabeça tem de ouvir sirenes de alerta.
“A cultura do brasileiro é de seguir seus sentimentos e ignorar os aspectos práticos. Na verdade, as pessoas chegam a ter vergonha de abordar esse assunto com os futuros companheiros”, diz o advogado previdenciário Patrick Villar. Na experiência do advogado, que atua em São Caetano, há dois tipos de preocupação no caso das uniões em que um ou os dois cônjuges são idosos. “A mais frequente é a do homem preocupado em garantir a situação financeira da sua companheira no caso de ele vir a morrer primeiro. Eles se preocupam em garantir a moradia e a pensão”, diz Villar. “A segunda situação, bem mais rara, é a preocupação em preservar o patrimônio de cada um separado”, completa.
De acordo com o presidente da Comissão de Direito da Família da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo), Nelson Sussumu, o fato de não planejar a questão financeira é que pode ser prejudicial à relação afetiva.
“No caso de casamento ou união estável de maiores de 70 anos, a lei brasileira determina a separação total de bens. Abaixo desta idade, o que vale é a comunhão parcial de bens, ou seja, são divididos em caso de separação ou morte todos bens adquiridos durante o período em que o casal viveu junto”, explica. No caso de bens, como imóveis, por exemplo, em que um dos companheiros pagava financiamento, se ficar provado que os dois contribuíam financeiramente, o outro passa a ter direito à metade do valor pago no período em que o relacionamento ocorreu. Por exemplo: José compra um apartamento de R$ 100 mil. Paga 40 mil. Antes de completar 70 anos, começa a viver com Maria, que contribui nas despesas do lar. Enquanto eles estão juntos, o financiamento é amortizado. Nesse caso, ela tem direito à metade, R$ 30 mil, dos R$ 60 mil que faltavam. No caso de José morrer, ela tem o direito de continuar a viver no imóvel, mesmo que filhos dele de um primeiro casamento tenham direito à herança.
Em um caso como esse, a diferença entre ser casada no papel e ser companheira numa relação estável é que se Maria for esposa, ela tem direito aos 30% da casa que já são dela, porque ela contribuiu para a aquisição, e de metade da parte de José. No total, ela fica com 65%, e os outros herdeiros dele, com os 35% restantes. No caso de ser união estável, ela só fica com os 30% que já eram dela e tem de provar que tem direito a mais. “Quando não há um contrato de união estável, um testamento ou qualquer outra documentação que assegure o direito do cônjuge sobrevivente, a questão vai para a Justiça e isso pode demorar cinco ou dez anos para se resolver”, diz Sussumu.
Oficializar relação é sempre mais seguro
Hoje em dia, na vida real, pouca gente faz diferença entre um casamento de papel passado e uma união estável. Muitos jovens defendem, com intensidade, que dá tudo na mesma. E muitos idosos concordam que, na prática, viver junto é casamento. Por isso, depois de já terem ouvido marcha nupcial e passado pela chuva de arroz na juventude, quando se juntam depois de velhos, não se importam muito com as convenções. Só que, para os tribunais, especialmente quando se trata de partilha de bens do casal, esposa e amásia ainda são tratadas de forma bem diferente em qualquer idade. Mas, quando um dos cônjuges é idoso, a situação fica ainda mais complicada.
Até dezembro de 2010, em caso de casamento, a lei obrigava a separação total de bens para os homens de mais de 60 anos e para mulheres com mais de 50 anos. De lá para cá a situação mudou e a separação total de bens passou a ser obrigatória apenas para os maiores de 70 anos.
Só que nos tribunais brasileiros ainda são debatidos os direitos de quem começou a viver junto em união estável antes desta data. Há casos de quem reinvindica a metade dos bens, mas os juízes tendem a negar esses pedidos porque, se o casal tivesse oficializado a relação por meio do matrimônio, a separação de bens seria compulsória e, na interpretação dos juízes, alguém que vive em união estável não pode ter mais direitos do que uma pessoa que casou de papel passado.
OLHAR DA JUSTIÇA
Um artigo publicado no site do STJ (Superior Tribunal de Justiça) discute a questão em profundidade e cita alguns casos reais. Em um deles, com a morte do companheiro, a sobrevivente pediu em juízo a metade dos bens. Só que a união estável entre eles começou antes de 2010 e quando ele já tinha 64 anos (portanto, acima da idade em que se tornaria obrigatória a separação total de bens caso eles tivessem se casado).
A decisão do juiz de primeiro grau afirmou que o regime aplicável no caso é o da separação obrigatória de bens, e concedeu a ela apenas a partilha dos bens adquiridos durante a união estável, mediante comprovação do esforço comum. Inconformada com a decisão, a companheira recorreu ao TJRS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul), que alterou a decisão e deu à mulher 50% do patrimônio.
Os herdeiros do falecido não aceitaram e apresentaram recurso especial no STJ, argumentando que estava sendo concedida à amásia direitos que só caberiam a uma esposa.
Para o ministro Luis Felipe Salomão, que julgou o caso, “não parece razoável imaginar que, a pretexto de se regular a união entre pessoas não casadas, a lei acabou por estabelecer mais direitos aos conviventes em união estável que aos cônjuges”. E lembrou que a constituição “coloca, em plano inferior ao do casamento, a chamada união estável, tanto que deve a lei facilitar a conversão desta naquele.”
O entendimento dos juízes é de que, no caso dos relacionamentos em que há um idoso, o cônjuge terá apenas direito ao que foi adquirido pelos dois. No caso acima, ela acabou sem direito aos bens adquiridos antes do início da união estável e só ficou com a metade do que havia sido comprado depois que foram morar juntos. Nessas horas, formalizar a relação faz diferença.
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