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Nas estradas da poesia
Christiane Ferreira
Do Diário do Grande ABC
18/11/2010 | 09:43
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No universo poético de Minas Gerais, alguns destinos fazem o leitor viajar rumo a um emaranhado de paisagens e sensações. É o caso do Documentário sentimental sobre minha terra e minha gente, de Murilo Carvalho. "Tarde de sábado. As águas do Rio São Francisco estão azuis e limpas. Nas ilhotas de areia abaixo da cachoeira de Pirapora há pequenos bares montados em barracas. Músicas se misturam no ar claro do doce e quente inverno. Meninos pescam sobre as pedras, ao largo do rio", discorre o autor.

O Rio São Francisco, que nasce na Serra da Canastra; as ilhotas da cachoeira de Pirapora; a cachaça dos canaviais de Salinas e as chapadas de Unaí, ao Norte; as sombras das mangueiras do Buritizeiro; o grande mar de Minas, Furnas; Ouro Preto e Mariana nas cidades históricas estão entre os roteiros descritos por Murilo.

Em Ouro Preto, siga o exemplo do poeta Manuel Bandeira em seu Guia de Ouro Preto: "Preste em pequenos detalhes das casas, dos balcões de ferro - das miúdas belezas que quase sempre nos escapam, caminhantes apressados, os olhos acostumados a grandes planos gerais".

Lá, não deixe de caminhar pelas ladeiras, as repúblicas antigas dos estudantes, perceba as pequenas esculturas imitando o mestre Aleijadinho, as panelas de pedra sabão. Aproveite um pouco mais e vá até a igreja Santa Ifigênia dos Pretos, encravada num largo coberto de capim, um pouco mais distante. Contemple o silêncio.

Em Mariana, a rota pode começar na Basílica da Sé, com o imenso órgão sobre o qual os meninos-guias sentem orgulho em dizer que é alemão, de 1701, e que tem 1.039 tubos. Observar torna-se, também, uma forma de oração.

O caminho traçado por Murilo de Carvalho ainda pode abranger as rotas da Estrada Real, depois Nova Lima, até chegar a Poços de Caldas pela Fernão Dias. E como a viagem do escritor não tem fim, ele lembra da música Minas não tem Mar, cantada pela dupla César Menotti e Fabiano: "Vieram criticar, que Minas não tem mar, pro mineiro tanto faz. Se Minas não tem mar. O mar não tem Minas Gerais. Me disseram que quando o mar fica agitado demais. E aquele barulho que a onda faz. É o mar chorando, implorando, pedindo pra banhar Minas Gerais".

Lembranças de coração

Todos os escritores participantes do livro guardam no coração um (ou mais) lugares preferidos de Minas Gerais. Ana Maria Gonçalves, por exemplo, lembra com apreço do Vale dos Rios, ao pé da Serra da Sobra. "Vale dos Rios é protegido também por mais duas serras consideráveis que, embora mantenham uma distância respeitosa e o mistério próprio do distanciamento, não diminuem o impulso explorador dos mais bem dispostos."

Carlos de Britto e Mello conta a história de um dentista que compara os reparos que faz na boca dos pacientes com as obras de Deus na paisagem mineira. "Tenho que acompanhar a atividade do Altíssimo. Afinal, é com parte de sua obra que disputo excelência. O Espinhaço, a Mantiqueira e a Canastra apresentam notável relevo? Minhas próteses também. O solo contém ouro? Não contém mais, pois o ouro foi dele retirado para incrementar a boca dos meus pacientes. A nascente do São Francisco é cristalina? O brilho de um dente de porcelana se enxerga no escuro", diz o escritor, que entre uma obturação e outra vai discorrendo sobre suas lembranças mineiras.

Já Luiz Ruffato lembra da invasão dos imigrantes italianos da Zona da Mata que foram trabalhar com o cultivo do café, assim como aconteceu com seu avô. Hoje a região já não conta mais com tantos italianos. Porém, a herança dos imigrantes ainda tem seus resquícios na culinária, como a caçarola, espécie de pudim de queijo, devorada antigamente a caminho da roça, a minestra, polenta à bolonhesa (o plebeu angu com carne moída e molho de tomate), o macarrão com abobrinha italiana, a sofisticada flor de abóbora à milanesa, entre outros. E Ruffato completa: "Que mais? Talvez um excessivo apego à família, uma inflexível ética do trabalho, um arraigado catolicismo e um certo otimismo ingênuo".

A Serra do Cipó, uma das principais províncias turísticas de Minas Gerais inserida na Estrada Real e no Circuito do Diamante é o ponto de partida do texto de Christiane Tassis. Com inúmeras cachoeiras e uma das floras mais diversificadas do mundo, a escritora traz à tona suas lembranças mineiras contando a história de Dona Áurea, uma admiradora de pássaros e seu marido Alcides.

E é lá na serra do Cipó que é possível conhecer o beija-flor-de-gravata-verde (Augastes scutatus), uma das espécies raras do local, que abriga mais de 300 espécies de aves. O visitante pode esperar o tempo passar à sombra de uma árvore, apreciando a beleza de uma cachoeira, ou simplesmente ouvindo o cantar dos pássaros. Lição de vida que todo bom mineiro sabe muito bem como apreciar.




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