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População precisa participar, diz especialista
Adriana Mompean
Do Diário do Grande ABC
30/08/2008 | 07:46
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A participação da população é essencial para obtermos qualidade no sistema educacional. As propostas precisam ser coletivamente construídas junto de professores e a comunidade necessita acompanhar e cobrar resultados. Essa é a opinião de Elydio dos Santos Neto, diretor da Faculdade de Educação e Letras da Umesp (Universidade Metodista de São Paulo).

"A participação da população na construção de uma educação de qualidade é fundamental, mas está sendo lentamente construída, inclusive porque trata-se do desafio de superar muito tempo de passividade e isolamento, de modo especial das camadas populares", afirma.

Em entrevista concedida ao Diário, Santos Neto afirma que cada município tem suas necessidades específicas e concretas, mas que de modo geral vê avanços feitos pelas sete cidades da região em relação ao setor educacional. "Vejo que as secretarias estão se aplicando no que diz respeito à formação de professores, ao trabalho com os computadores, a constituição de escolas técnicas e à construção de novas propostas pedagógicas", afirma.

DIÁRIO - Em levantamento feito pelo Diário foi detectado que o maior problema da Educação no Grande ABC é o Ensino Infantil, com déficit de 17 mil vagas, especialmente nas cidades de Diadema, Mauá e São Bernardo. Quais soluções poderiam ser lançadas mão para minimizar o problema em um curto prazo? Os convênios com entidades constituem uma boa alternativa?
ELYDIO DOS SANTOS NETO - Este é um problema bastante sério para o qual temo não existir uma resposta a curtíssimo prazo. Toda Educação Básica no Brasil tem problemas sérios que vão de infra-estrutura à construção das propostas curriculares passando pelo salário dos professores. A Educação Infantil foi, recentemente, incorporada à destinação de recursos por meio do Fundeb (Fundo da Educação Básica). Isto por si só já é um avanço, mas a questão principal é como estes recursos estão sendo e serão utilizados. Avaliações, em profundidade e extensão, ainda precisam ser feitas. E é importante lembrar que este é um processo que precisa ser acompanhado de perto e com interesse por parte dos cidadãos. Este é outro aprendizado que, como brasileiros, precisamos desenvolver e fazê-lo de forma melhor do que aquela que até agora conseguimos fazer. Os convênios com entidades podem se constituir numa boa alternativa, desde que tais entidades sejam acompanhadas por uma política adequada e por sujeitos, dos governos e das entidades, que compartilhem a construção coletiva de propostas pedagógicas significativas e que atendam às necessidades das pessoas de cada realidade.

DIÁRIO - Quais práticas inovadoras podem ser adotadas na região para melhorar a qualidade do ensino público?
SANTOS NETO - É impossível responder de forma genérica, pois cada realidade regional tem suas necessidades específicas e concretas. Não é possível planejar uma proposta pedagógica, que se pretenda adequada, sem levar em conta estas realidades. De modo geral, o que é possível dizer é que tais propostas precisam ser coletivamente construídas dando voz aos membros da comunidade e, de modo especial, aos professores. Daí que a construção do projeto político-pedagógico revela-se como momento definidor, em cada unidade de ensino, da qualidade do trabalho pedagógico que aí será realizado.

DIÁRIO - Como está a questão da inclusão de alunos com necessidades especiais na região? Houve avanços?
SANTOS NETO - Percebe-se que, de modo geral, os municípios estão empenhados no processo de inclusão. A grande questão é prática: como se trabalha pedagogicamente no contexto da inclusão. Esta perspectiva é muito recente e ainda há muito que se aprender, tanto no que diz respeito aos gestores como aos professores. Há ainda muito a avançar no que diz respeito às condições de trabalho dos docentes.

DIÁRIO - Como o senhor avalia a questão da inclusão digital nas escolas públicas? O computador é importante como instrumento de ensino?
SANTOS NETO - O avanço da tecnologia e da informática é uma realidade em muitos campos da cultura humana. Em pouco tempo da popularização dos computadores é possível ver as grandes contribuições que trouxeram de modo especial para o processo de construção do conhecimento. O que é um equívoco é pensar que isto vai resolver os problemas da educação brasileira. Mesmo trabalhando na perspectiva da inclusão digital, permanecem questões educativas de natureza política, ética, científica, relacional que não são resolvidas pelo computador. Mas não se duvida que seja uma ferramenta importante.

DIÁRIO - A municipalização da rede pública facilita o engajamento da população e melhora a qualidade de ensino?
SANTOS NETO - A municipalização abre esta possibilidade, mas que não é concretizada simplesmente porque uma municipalização aconteceu. A participação da população na construção de uma educação de qualidade é fundamental, mas está sendo lentamente construída, inclusive porque trata-se do desafio de superar muito tempo de passividade e isolamento, de modo especial das camadas populares.

DIÁRIO - O Fundeb ajudará na melhoria dos índices da Educação na região?
SANTOS NETO - É uma promessa. Dependerá de como será gerido e sobre como a população vai acompanhar e cobrar resultados. Ainda há muito por se definir no que diz respeito ao Fundeb. Inclusive, é necessário que a população entenda o que são estes recursos, de onde eles vêm, como podem ser utilizados e como podem ser acompanhados e avaliados. Seguramente boa parte de nossa população desconhece isto tudo. Eu só consigo fazer uma boa avaliação se conheço bem. Se desconheço o que está sendo feito, fico à mercê de diferentes interesses.

DIÁRIO - Qual é a sua avaliação sobre o Ensino Fundamental e Médio na região?
SANTOS NETO - Desconheço estudos que façam uma avaliação em profundidade e extensão sobre a região. Vejo que as secretarias estão se aplicando no que diz respeito à formação de professores, ao trabalho com os computadores, a constituição de escolas técnicas e à construção de novas propostas pedagógicas. Tudo isto é importante. Mas não sei se já é possível uma avaliação em profundidade sobre novas tendências.

DIÁRIO - Faltam mais iniciativas públicas para o Ensino Superior na região?
SANTOS NETO - Penso que este é um desafio que está posto para o Brasil todo. Em tempos de privatização da Educação, que, aliás, é uma tendência global, há que se pensar na Educação como um interesse público no sentido de que uma nação com capacidade de autonomia precisa dela para se fazer. Todos podem contribuir e contribuem: instituições públicas e privadas. Porém, dadas as condições de nossa realidade brasileira, permanece o desafio sobre como assegurar o acesso ao Ensino Superior. Neste momento o foco está na Educação Básica e isto, com certeza, já irá afetar o Ensino Superior, se conseguirmos, por exemplo, uma universalização da Educação Infantil e do Ensino Fundamental com boa qualidade. Tenho certeza de que boas iniciativas públicas no Ensino Superior da região serão bem-vindas. Cada instituição tem uma identidade e uma contribuição a dar à sociedade. A população da região só tem a ganhar com isto.

DIÁRIO - Qual é a importância das atividades extracurriculares, como práticas esportivas e culturais, na vida acadêmica de um estudante?
SANTOS NETO - Isto é mais fácil de compreender quando pensamos na escola, de modo especial na Educação Básica, como um espaço de formação e desenvolvimento humano, ou seja, um espaço onde o trabalho intelectual é importante, mas não apenas ele. O trabalho corporal, o trabalho político, a formação cidadã, a convivência com as diferenças culturais, a educação para lidar com os conflitos são igualmente importantes e precisam se fazer em diálogo permanente com os conteúdos das disciplinas escolares de um currículo. Neste caso específico, dos esportes e de outras atividades culturais, nem penso que seja apropriado falar em atividades extracurriculares, como se fossem atividades para além de uma proposta curricular. Numa proposição curricular aberta às necessidades de hoje, é preciso haver espaço de diálogo entre proposições da educação formal e também da educação não-formal, tudo constituindo um mesmo currículo, aberto e em permanente construção pelos membros de uma comunidade educativa.

DIÁRIO - Os ensinos Fundamental e Médio da rede pública conseguem preparar satisfatoriamente os alunos para o nível superior e o mercado de trabalho?
SANTOS NETO - É impossível responder a esta pergunta de forma genérica. Vejo insatisfações por parte do mercado e vejo problemas na entrada para o Ensino Superior, mas estes problemas precisam ser analisados considerando o quadro complexo da Educação e da realidade brasileira. Temos assistido movimentos da política educacional brasileira, em seus vários segmentos, no sentido do enfrentamento das dificuldades, assim como temos visto os gestores de sistemas e unidades escolares empenharem-se em soluções criativas para o enfrentamento dos mesmos problemas. As demandas para a Educação são sempre muito grandes. Não é possível focá-las apenas nas exigências de formação profissional segundo as realidades de mercado. É algo a ser considerado, mas não exclusivamente. O avanço em termos de qualidade e de respostas às necessidades concretas de cada região e setor será mais visível quando gestores, educadores e cidadãos assumirem conjuntamente a caminhada da construção consciente de uma Educação com a qualidade que necessitamos. Isto é um trabalho lento, coletivo e conflituoso.




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