Com 66 anos de idade e 50 de carreira, Carvana sabe de cor quantos filmes fez. Foram 82 como ator, sendo que seis são projetos próprios, sob sua direção. Já as produções televisivas – 22, entre novelas, seriados e minisséries – o ator nunca se deu ao trabalho de contar. “Sei lá. Deve ser por aí mesmo”, afirma. É um apaixonado por cinema e dirige filmes com fortes referências autobiográficas. Como o último, Apolônio Brasil, Campeão da Alegria, no qual presta uma homenagem às chanchadas e à boêmia carioca das décadas de 1950 a 70.
TV PRESS – O Lineu já tem o destino dele selado na novela.
HUGO CARVANA – Quando comecei, não sabia que ele ia morrer. Foi uma decisão do autor, que não estava planejada. Novela é isso, é obra aberta, é feita ao sabor dos acontecimentos. A emissora ouve o telespectador, e o autor muda de rota. Mas isso de forma alguma altera a minha maneira de representar. Leio os capítulos que me mandam, vou lá e gravo.
TV PRESS – Mas o personagem não exigiu nenhum cuidado de composição?
CARVANA – Não. Eu fiz na malandragem. Não teve essa de buscar referências, de me basear em alguém. Até porque conheci poucos milionários na minha vida. Mas é um personagem interessante, bem escrito. Gosto do sarcasmo do Gilberto Braga.
TV PRESS – Como você vê os atores que viram celebridades ou as celebridades que viram atores?
CARVANA – No fundo é tudo igual. O ator de verdade não é estrela. Essa busca insana pela fama começou quando a televisão resolveu transformar jovens medíocres em astros. Nos anos 30 e 40, por exemplo, ator era o mesmo que 'viado' e atriz era igual a prostituta. Hoje o negócio é mesmo ter filho artista ou jogador de futebol.
TV PRESS – É uma realidade bem diferente da que você conheceu.
CARVANA – Sem dúvida. Na verdade, até os 17 anos eu sequer tinha pensado na possibilidade de ser ator. Até porque era de uma geração que achava isso muito estranho. Eu era suburbano de classe média baixa, trabalhava como auxiliar de escritório, não tinha grandes ambições. Até metade dos anos 50, era um doce vagabundo.
TV PRESS – E quando isso mudou?
CARVANA – Um amigo me contou que, na Tupi, figurante ganhava dinheiro só para bater palma. Era comigo mesmo! Adorei aquele clima neurótico de televisão. Só que fui rejeitado no teste. Aí tentei a sorte num estúdio de cinema. Meu primeiro filme foi Trabalhou Bem, Genival, uma chanchada de 1955. Gostei do negócio e fui emendando um filme no outro, sempre como figurante. Depois, estudei teatro e, para ganhar uma grana, comecei a fazer show em boate, teatro de revista. Aliás, devo o título do meu filme Vai Trabalhar, Vagabundo! à minha mãe, que todo dia repetia isso lá em casa.
TV PRESS – Seus filmes têm sempre algo de autobiográfico.
CARVANA – Realmente, meus filmes são muito pessoais, frutos da minha memória, das minhas lembranças. São como um velho álbum de fotografias. Apolônio Brasil não foge à isso. É um filme sobre a chanchada, sobre a noite, sobre os cantores da noite. Eu vivi toda essa época intensamente.
TV PRESS – No cinema, além de ator você é roteirista, produtor e diretor. Não tem vontade de exercer outras funções também na televisão?
CARVANA – Não. E, quando sou apenas ator, não posso interferir no trabalho dos outros. Uma novela é um produto de vários setores da Globo: autor, ator, diretor, figurinista, cenógrafo, maquiador, editor, departamento comercial. É uma indústria. Então, não interfiro. Sou muito pragmático. Direciono meu trabalho para aquilo que tenho de fazer e ponto.
TV PRESS – E em que produções de TV você mais gostou de atuar?
CARVANA – Acho que Gabriela, O Dono do Mundo, Fera Ferida. Gostei muito de Plantão de Polícia, que inaugurou os seriados de histórias fechadas na televisão brasileira. Fiz um repórter policial. O programa tratava das mazelas humanas, da violência na cidade, da periferia, da miséria. Isso, dentro de uma emissora como a Globo, foi uma grande ousadia na época.
TV PRESS – Às vezes, parece que o ator só trabalha por prazer.
CARVANA – Não sei se o ator é diferente dos outros trabalhadores nisso. Algumas vezes, trabalhei pensando só na remuneração. Afinal, nem sempre o personagem que me cabia era fascinante. Mas diria que em 80% dos casos eu trabalho com satisfação. Suponho que quase todo mundo tem algum prazer naquilo que faz. Não sei. Mas concordo com Nélson Rodrigues: sem prazer não se chupa nem um picolé.
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