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Memórias, para o que te quero
Marli Gonçalves
19/05/2025 | 11:00
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Reativar memórias, tempos idos lá longe, funciona como uma espécie de ventilador para o cérebro. Junto também pode vir uns amargos, mas que podem ser revistos e remontados de outros pontos de vista. Forçar lembrar é, creio, um reaquecimento necessário para nossas mentes tão disparadas nesse presente que nos faz esquecer até de quem somos, quem já fomos, o que vivemos. Vivi isso agora voltando 45 anos atrás para relembrar do trabalho em uma publicação que está sendo objeto de estudo para uma tese de mestrado, e para o qual uma jovem pesquisadora pediu uma entrevista.

Foi como abrir uma janela, e muitas outras acabaram também sendo espanadas nesse movimento. Uma coisa leva à outra, as passagens são muitas, pequenas, grandes, encadeadas. Você se obriga a vasculhar períodos anteriores e os que se seguiram. Depois de viver mais a gente percebe, ao fazer esse retorno mental, como soterramos ou até mesmo como fantasiamos os fatos.

Outros tempos e lembranças continuam surgindo seguidamente por um tempo, curiosamente, como se também ativados, mesmo que nada a ver com o tema inicial. No jornalismo vivemos variados momentos e emoções, e aparecem novamente para serem revistos. Inflexão e reflexão.

Tenho memória visual, o que ajuda muito na incrível viagem no túnel do tempo que se transforma quando instada a recordar algo. Uma espécie de teletransporte, trazendo junto sensações espaciais. Creio que funciona assim também em alguns de nossos sonhos.

Anda mais comum ter de fazer algum esforço para lembrar, por exemplo, de nomes, alguns recentes, ou aqueles que, puxa, não poderia esquecer. Que irritação. Nomes bobos, que fogem quando você quer falar do assunto. Tenho, contudo, o hábito de nunca desistir de tentar lembrar. Às vezes a lembrança chega dias depois, do nada, e mesmo assim é um alívio. Tenho certeza de que temos de forçar ativar nosso cérebro o tempo inteiro, mantê-lo aquecido, que isso é saudável.

A ciência cada vez mais se aprofunda nesse incrível mundo das sinapses essenciais para o processamento de informações do sistema nervoso, o elo de comunicação entre o cérebro e o corpo. Os cientistas desenvolvem medicamentos, estudam doenças degenerativas, formas de contê-las ou retardá-las. Doenças que apavoram a todos com o envelhecer. A mim apavoram, por conhecer casos terríveis, pessoas queridas se perdendo nesse labirinto.

A vida moderna não está fácil para ninguém. A sucessão de fatos que nos afundam em diários redemoinhos. Cansaço absoluto. Tudo vai minando nossa memória, a sensação do tempo correndo em uma esteira incontrolável. Nosso cérebro precisa se exercitar e podemos ser nós mesmos a academia que ele frequente.

Marli Gonçalves é jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo e autora de Feminismo no Cotidiano.




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