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Vivia melhor antes da guerra, diz iraquiano de 54 anos
Da AFP
03/04/2003 | 15:01
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Há 15 dias, doze membros da família Hamdam olham a guerra passar diante da porta de sua casa no centro de Umm Qasr e, desde o mais velho ao menor, não sabem ainda se os tanques e os soldados lhes trarão a liberdade que esperam há muitos anos. "Não sei o que será do meu país, mas por enquanto está claro que vivíamos melhor antes da guerra", afirma o chefe da família, Muham, 54 anos.

Do conflito que o Iraque vive, está pouco informado. Sem eletricidade há dois dias, os 40 mil habitantes de Umm Qasr se viram privados de televisão, se é que tinham a sorte de ter uma em casa. Agora recebem algumas notícias do que acontece em Basra ou Bagdá, mas por causa da proximidade quase todas as informações vêm da televisão kuwaitiana. "E não se pode confiar neste país", afirma taxativo, junto da esposa, Kisma, e nove de seus dez filhos.

Do maior, Nassir, 30 anos, atualmente em Basra, prefere não falar. "Ontem (quarta) os soldados britânicos vieram buscá-lo. Sabiam que era do partido Baath (que está no poder em Bagdá). Forçaram a porta, encapuzaram os homens, nos jogaram no chão enquanto revistavam a casa", explica.

Depois de vários minutos de conversa e alguns chás de hortelã, servidos em minúsculos e coloridos copos de vidro, Muham parece decidido a contar que seu país necessita de um novo governo e que todos os iraquianos "têm medo" de Saddam Husseim e seus homens, "que matam inocentes e falsificaram o referendo presidencial do ano passado", onde o dirigente obteve 100% de aceitação, de acordo com resultados oficiais.

Apesar da fraude e repressão, este iraquiano, trabalhador aposentado do porto, insiste em que em nenhum caso uma coalizão estrangeira deve dirigir seu país. "O Iraque tem que ser governado pelos iraquianos. Os britânicos e americanos não são muçulmanos, não podem nos entender e não esperamos grande coisa deles", afirma.

Kisma, sua esposa, lembra que Saddam Hussein "é perigoso porque começou um conflito contra o Irã (1980-88) e a primeira guerra do Golfo (1991), mas realça: "desta vez não foi ele quem começou a lutar. Há doze anos que vivemos sob um embargo e só decidiram vir nos libertar". Assustada diante da impressionante presença militar na cidade portuária, a mulher teme pelos seus filhos. Uma das menores, Noor, 7 anos, passou vários dias no hospital porque a fumaça dos tanques e as bombas somadas ao clima seco não a deixavam respirar.

Dos doze membros da família só os dois filhos maiores trabalham, contratados por 50 dólares ao mês pelo porto da cidade. Nenhum deles ainda voltou às suas ocupações. Por sorte, na casa ainda não falta comida "porque o governo distribuiu arroz, farinha e outros alimentos básicos antes da guerra".

Na quinta-feira, pela primeira vez em 15 dias, a família Hamdam recebeu 50 litros de água potável de um caminhão-pipa, os quais são preciosamente guardados em um grande balde coberto no jardim da casa. Além da água, os mais jovens da família se atrevem a dizer que suas necessidade também são otras: "Liberdade, livros, viagens... Sou mulçumana e não posso ir ao cinema, McDonalds ou ter roupas bonitas mas gostaria de sair daqui", afirma Haiat, uma das filhas do casal.

Graças à escola, os livros ou a televisão, os mais jovens são conscientes de que vivem em uma ditadura do medo. Em suas bocas, as críticas são mais valentes, mais agudas. "Nasci há 20 anos e desde então vivo numa prisão. A culpa é de Saddam", conclui a jovem.




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