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Inviabilidade do Pronto Cardio é apontada em diagnóstico técnico

Apuração da Prefeitura conclui que São Caetano não precisa gastar R$ 42 milhões por ano para demanda que já é atendida pela rede estadual

Evaldo Novelini
15/02/2025 | 20:51
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FOTO: Denis Maciel/DGABC


 Diagnóstico realizado pelo atual governo de São Caetano nos processos de licitação e construção do Pronto Cardio, apresentado pelo ex-prefeito José Auricchio Júnior (PSD) como o primeiro pronto-socorro cardiológico municipal do Grande ABC, aponta série de problemas e conclui pela “inviabilidade do serviço”. A administração gastou R$ 12 milhões no equipamento, que está fechado.

O Diário teve acesso, com exclusividade, às 22 páginas iniciais do diagnóstico – que, ao todo, passa das 100. Além de série de irregularidades na execução do projeto, o documento assevera que a relação entre custo e benefício não recomenda a abertura do hospital. São Caetano oneraria os cofres públicos em R$ 42 milhões anuais em atendimentos de alta complexidade para as áreas cardiológica e neurológica sem que haja demanda reprimida na cidade.

Segundo o documento, os hospitais Mário Covas, Pirajussara, Incor (Instituto do Coração), Dante Pazzanese e Santa Marcelina, com os quais o município tem convênio, “absorvem toda a demanda municipal, sendo resolutivo nas ações”. Média histórica aferida com dados dos últimos cinco anos mostra que São Caetano precisa de 30 procedimentos cardiológicos por mês.

A falta de necessidade do equipamento é apenas parte do diagnóstico. A análise dos técnicos aponta omissão da então secretária de Saúde, Regina Maura Zetone (PSD), atual vice-prefeita, e chama de “inauguração intempestiva” a cerimônia de entrega do hospital realizada por Auricchio em 14 de dezembro, menos de um mês antes de deixar o governo. “(O Pronto Cardio) nunca realizou qualquer exame a que se propôs”, atesta.

Assinado pela atual secretária de Saúde, Marisa Catalão de Carvalho Campozana, e pelo diretor de Saúde, Ricardo Carajeleascow, o diagnóstico cita falta de transparência no uso de dinheiro público, desrespeito à decisão judicial e falha na execução da obra. O prédio foi entregue inconcluso pela Construtora Ubiratan.

No diagnóstico, Marisa e Carajeleascow insinuam que Auricchio atropelou processos porque precisava atender “promessa de campanha” feita em 2020, quando buscava a reeleição. Na sequência, diz que o projeto teve “sua condução duvidosa do ponto de vista técnico”, não sendo “devidamente acompanhado pela Secretaria da Saúde”.

Os problemas teriam começado em junho de 2022, quando Regina Maura solicitou estudo técnico para a execução do projeto, que seria erguido no estacionamento do Complexo Hospitalar das Clínicas, no bairro Olímpico.

“O estudo entregue versava apenas sobre as normas técnicas exigidas, sem qualquer menção a valores estimados de custeio, assim como estudo de viabilidade ou a real necessidade do referido serviço de saúde”, diz o documento.

Sobre os recursos para a construção do Pronto Cardio, a investigação coloca sob suspeita a utilização de R$ 5,1 milhões enviados via emenda pelo deputado estadual Thiago Auricchio (PL) e de R$ 5,2 milhões financiados pela USCS (Universidade Municipal de São Caetano), uma autarquia.

O governo Auricchio garante que os recursos foram usados, mas a apuração conclui que não há prova documental. “Nos causa estranheza não haver qualquer citação em contrato, considerando que as rubricas orçamentárias descritas são exclusivamente (da) Sesaud (Secretaria de Saúde)”, cita o relatório.

A construtora Ubiratan encerrou o trabalho no Pronto Cardio em 14 de dezembro, data em que Auricchio “entregou” o serviço à população. Naquele dia, o hospital foi abastecido por geradores, pois as cabines primária e secundária de energia elétrica não haviam sido instaladas. O imóvel não tinha laudo da Vigilância Sanitária nem AVCB (Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros), exigidos por determinação judicial – descumprida.

Sem energia, o imóvel está fechado. Equipamentos de alta complexidade, alugados da First Medical ao custo mensal de R$ 375,1 mil, seguem parados “em um prédio sem segurança adequada”. “É clara a inviabilidade do serviço em questão pelos motivos já explanados”, conclui o relatório.

Auricchio atesta lisura: ‘Estão induzindo o prefeito ao erro’

O ex-prefeito José Auricchio Júnior (PSD), responsável pela execução do Pronto Cardio, rechaçou o conteúdo do diagnóstico técnico que conclui pela inviabilidade do serviço. Ele rebateu as acusações de omissão no acompanhamento das obras e de falta de transparência no uso de verbas públicas. Disse também que não desrespeitou decisão judicial ao realizar a entrega do hospital.

“Estou estarrecido”, reagiu Auricchio, que é médico, ao saber do teor do documento. “Tenho biografia. Não iria jogar minha história no lixo por causa de uma bobagem”, continuou. “Estão induzindo o prefeito (Tite Campanella, seu sucessor) ao erro, não sei quem nem por quais razões”, completou, prometendo processar, cível e criminalmente, quem emitiu o laudo.

Após contestar uma a uma as alegações do relatório, assinado pela secretária de Saúde, Marisa Catalão de Carvalho Campozana, e pelo diretor de Saúde, Ricardo Carajeleascow, Auricchio revelou a intenção de dar explicações a Tite. “Me coloco inteiramente à disposição do prefeito para colaborar no que for preciso, inclusive para o funcionamento do equipamento. Quero deixar isso bem claro”.

O único apontamento do diagnóstico que Auricchio admitiu foi o que classificava o Pronto Cardio como “promessa de campanha”. “De fato. Sempre cumpro o que prometo.” Na sequência, afirmou que a decisão de construir equipamentos de saúde é ato discricionário do prefeito.

“O povo de São Caetano merece e a cidade tem orçamento”, declarou, alegando que o custeio – R$ 42 milhões por ano – não chega a “meio por cento” da arrecadação do município. Na verdade, a quantia equivale a 1,68% da receita prevista para 2025, de R$ 2,5 bilhões. O ex-prefeito também contesta a informação de que os convênios atuais com hospitais estaduais garantam atendimento imediato, como diz o relatório. “Existe fila sim.”

Sobre as acusações, Auricchio disse que o hospital só está sem as cabines de energia porque as normas que regem a instalação dos equipamentos foram alteradas em dezembro, pouco antes da inauguração do prédio, no dia 14. O ex-prefeito afirmou que a alteração, que pode levar 150 dias, já foi solicitada à concessionária, embora não descarte atraso. “A Enel não cumpre prazos.”

O ex-prefeito, porém, assegurou que o equipamento está apto a receber pacientes, já que o cronograma prevê o funcionamento por etapas. A operação da primeira delas, ambulatorial, poderia ser garantida por geradores. “Eu coloco esta unidade em funcionamento em 48 horas”, disse.

Ele também garantiu que os R$ 5,1 milhões enviados pelo deputado estadual Thiago Auricchio (PL) e os R$ 5,2 milhões da USCS foram aplicados. “Dizer o contrário é má-fé ou ignorância.” O dinheiro teria sido recepcionado pela Secretaria de Saúde, que fez os pagamentos à construtora.

Auricchio garantiu que o hospital tem aval dos bombeiros e que, por isso, a inauguração não estaria vetada pela Justiça, que, em decisão de 5 de novembro de 2024, havia proibido novas inaugurações sem essa autorização específica. “Todo o complexo tem o AVCB. O Pronto Cardio é o bloco D deste complexo.”

Tite Campanella promete dar outra destinação para o imóvel

O prefeito de São Caetano, Tite Campanella (PL), admite a possibilidade de dar outra destinação ao imóvel construído para abrigar o Pronto Cardio, idealizado para atender emergências cardiológicas e neurológicas. A hipótese passou a ser considerada após o chefe do Executivo ler diagnóstico feito pelo próprio governo que aponta para a “inviabilidade” do serviço.

Além de série de irregularidades técnicas e suspeitas sobre o real uso de dinheiro público, o documento aponta gastos elevados para baixa demanda. O custeio do hospital consumiria, segundo cálculos do Executivo, R$ 42 milhões anuais, considerado alto para realizar, num primeiro momento, média de 30 procedimentos cardiológicos por mês.

Os pacientes são-caetanenses que atualmente necessitam de atendimento de alta complexidade nas áreas de cardiologia e neurologia são encaminhados, via Cross (Central de Regulação de Oferta de Serviços de Saúde), aos hospitais Mário Covas, Pirajussara, Incor, Dante Pazzanese e Santa Marcelina.

De acordo com o diagnóstico técnico realizado pela administração, que cita dados levantados com a central de regulação e agendamentos do município, a cidade não precisa do Pronto Cardio. “Os referidos hospitais absorvem toda a demanda municipal, sendo resolutivos nas solicitações”, sustenta o documento.

FUABC

O diagnóstico realizado pela Prefeitura mostra também que a FUABC (Fundação do ABC), organização social que administra o Pronto Cardio, solicitou que a administração municipal pagasse pela realização dos serviços na unidade, muito embora o hospital não tenha feito nenhum atendimento desde que foi “inaugurado”, em 14 de dezembro.

A FUABC, segundo a apuração, cobrou o repasse mensal integral pelos serviços prestados a São Caetano, relativos a várias unidades de Saúde, sem se dar conta de que o Pronto Cardio não está em funcionamento. O valor global é de R$ 32,5 milhões por mês.

“Nesta seara, nota-se o descuido com tal solicitação, uma vez que os serviços não estão sendo prestados, assim como não houve qualquer pagamento de nota fiscal emitida pela empresa fornecedora dos equipamentos que estão hoje alocados no Pronto Cardio”, expõe o relatório. A First Medical cobra R$ 375,1 mil mensais pelas máquinas.

INVESTIGAÇÃO

Tite Campanella determinou a realização do diagnóstico do Pronto Cardio logo depois que a juíza Ana Lucia Fusaro, manifestando-se em ação movida pelo vereador Getúlio de Carvalho Filho, o Getulinho (União Brasil), determinou que a Prefeitura de São Caetano utilize todos os canais oficiais para divulgar a informação de que o hospital se encontra fechado.

Coordenados pela secretária de Saúde, Marisa Catalão de Carvalho Campozana, e pelo diretor de Saúde, Ricardo Carajeleascow, os trabalhos incluíram a análise de documentos oficiais relacionados ao projeto, o estudo de relatórios técnicos e entrevistas com as partes envolvidas no processo, incluindo representantes da Secretaria da Saúde, da FUABC e da Construtora Ubiratan.




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