Marília era psicóloga social, coreógrafa e dançarina, além de pesquisadora e artista, e tinha grande ligação com a região
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Morreu nesta sexta-feira (24) aos 79 anos, Marília de Andrade, única filha mulher do poeta e escritor Oswald de Andrade (1890-1954) e a única viva entre os quatro filhos que ele teve. Marília era psicóloga social, coreógrafa e dançarina, além de pesquisadora e artista, e tinha grande ligação com a região, já que o sítio onde passou sua infância, no bairro São Caetaninho, em Ribeirão Pires, está preservado e foi alvo de tombamento pelo Paço. Em 2018, ela visitou o local em reportagem do Diário e relembrou os dias no espaço.
A notícia foi confirmada nas redes sociais por Lira Neto, jornalista autor de 16 livros – e produzindo uma biografia de Oswald de Andrade –, além de vencedor de quatro prêmios Jabuti. A causa não foi apontada. “Marília sempre foi generosa comigo, ajudando-me em tudo o que esteve a seu alcance para a escrita da biografia de seu pai. Com desprendimento singular em se tratando de herdeiros de biografados, jamais me pediu para ler uma linha do livro que, infelizmente, ela não teve tempo de ver publicado.”
Há sete anos, Marília relembrou sua infância no sítio que o pai manteve nos últimos anos de sua vida em Ribeirão Pires, de nome Boa Sorte. “Isso tem muito a ver com ele. Não sei se já chamava assim, mas se sim foi enorme coincidência”, disse ela, na época com 72 anos. Profundamente emocionada, Marília não sabia que o sítio, onde passou sua infância, estava preservado e em processo de tombamento.
“Este lugar era o éden do meu pai. Ele sempre adorou Ribeirão Pires pelo clima. Íamos praticamente todos os fins de semana. Mais do que isso: passamos temporadas longas de férias”, recorda-se. A imagem que tinha, ela acrescenta, é de Oswald sentado ao lado da lareira, ainda preservada na casa. “Papai trabalhava muito à noite, sofria de insônia. Tenho uma lembrança clara dele na poltrona, ao lado do fogo, lendo”, disse, com a voz embargada.
Marília, que seguiu carreira na dança – uma das paixões de seu pai – , ressaltou que o escritor, que morreu quando ela tinha apenas 9 anos, seguia sendo seu ídolo. “Ele era dedicado à família. Sempre estava em casa, dava muita atenção aos filhos. Minha mãe trabalhava com ele, ficávamos juntos o tempo todo.” Um de seus agrados aos pequenos era ir até a cocheira no sítio e tirar leite da vaca para eles. “Esses dias mesmo achei um desenho meu da vaca que tinha lá e se chamava Dora.”
O local, além de ser perfeito para o pleno convívio familiar – Marília cita o Boa Sorte em livro publicado em 2003, em que fala sobre a relação de seus pais –, servia para recepcionar amigos e para produzir. Lá, escrevia diversas memórias a lápis e uma de suas últimas obras, Um Homem Sem Profissão (1954), garante a filha, foi produzida no local.
O diretor de patrimônio da cidade na época, Marcilio Duarte, se pronunciou. “Em 2018, quando visitou a antiga casa do pai, ela presenteou a cidade de Ribeirão Pires com a obra completa de Oswald, num gesto de generosidade extraordinária. Em 2022, tive a honra de visitá-la em sua casa em Campinas. Tivemos uma conversa memorável sobre ''O Rei da Vela'' e como a obra permanece atual. Nunca esquecerei uma cena que me marcou profundamente: com os olhos marejados, ela disse, no antigo sítio da família, que sua missão de vida, após a trágica perda da mãe e do irmão, era proteger a obra de Oswald. Tenho certeza de que ela cumpriu essa missão lindamente”, disse o historiador ao Diário.
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