Entrevista da Semana Titulo Talento
‘Sempre quis ser desenhista de histórias em quadrinhos’

Autodeclarado batateiro, de São Bernardo, Ivan Reis, 48 anos, é atualmente um dos nomes mais renomados do mercado mundial de histórias em quadrinhos. Com um currículo extenso de trabalhos com personagens famosos como os Vingadores, Aquaman, Superman e Batman, Ivan é um dos únicos brasileiros que já passaram pelas duas maiores editoras de quadrinhos de super-heróis do mundo: a Marvel Comics e DC Comics. O artista, que começou a trabalhar com 14 anos, tendo passado pela editora do Mauricio de Sousa, conta como ingressou no ramo das HQs, transformando sua maior paixão em profissão.

Jaque Corrêa Especial para o Diário
30/12/2024 | 08:10
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FOTO: Celso Luiz/DGABC

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Como iniciou a carreira nas artes e nos quadrinhos?

Eu não tenho memória de quando realmente comecei, porque meus pais dizem que meus primeiros rabiscos foram aos 3 anos de idade. Então, não lembro disso, mas ainda tenho o desenho. Minha mãe o guardou, e, por acaso, foi do Superman. Ela só sabe disso porque tinha uma capa. Meu pai gostava de comprar quadrinhos, lia muito Conan e Fantasma. Cresci tendo acesso a essas revistas e fui desenvolvendo essa paixão. Não houve um momento em que me dei conta e disse: ‘Nossa, eu gosto disso’. Era como se isso sempre tivesse sido parte do meu desenvolvimento. Tive muito apoio da família. Uma grande parte veio da minha avó, porque meu bisavô foi o primeiro professor de (Candido) Portinari (artista plástico brasileiro).Ele, José Murari, pintava em uma igreja lá em Brodowski (cidade no Interior de São Paulo) e foi uma das pessoas que introduziram Portinari à pintura. Então, minha avó carregava essa história e acreditava que eu me tornaria um pintor. Essas influências sempre estiveram ao redor do meu desenvolvimento artístico.

E os HQ’s?

Desde muito cedo, os quadrinhos foram parte da minha vida, e acredito que nunca tive uma segunda opção. Sempre quis ser desenhista de histórias em quadrinhos.Não queria ser publicitário, pintor ou ilustrador. E isso foi acontecendo naturalmente.

Teve algum momento em sua vida que realmente consolidou a ideia de ser desenhista de histórias em quadrinhos?

Sim. Foi quando fiz meu primeiro trabalho profissional para a antiga Bloch Editores, uma revista chamada Histórias Reais de Drácula.Era uma historinha curta, mas lembro que, depois de terminar, tive problemas para receber o pagamento. Sempre foi muito difícil viver de quadrinhos no Brasil.Meus pais foram até a casa da pessoa que me contratou, um desenhista responsável pelas páginas. Eu, com 14 anos, fui até esse lugar, que ficava numa região bem afastada de São Paulo, em uma casa muito simples. Lembro de ter entrado na casa, onde todo o material de trabalho dele (artista) ficava na sala. A prancheta e o material de pintura estavam todos ali. Talvez por isso até hoje eu goste de desenhar na minha sala. Essa memória me marcou. Mesmo com toda a simplicidade, para mim, era como se estivesse no ‘País das Maravilhas’. Foi a primeira vez que vi um estúdio de desenho de histórias em quadrinhos. Naquele momento, pensei: ‘Se é para ter essa vida simples fazendo isso, acho que posso viver assim’. Essa pessoa escreveu uma carta para os meus pais, juntamente com o pagamento, explicando o quão difícil era viver de quadrinhos. Também pedia para que eles me incentivassem a seguir esse caminho. Ironia do destino, aquilo não me abalou em nada. Meus pais ficaram preocupados, mas continuaram me incentivando. Esse episódio consolidou minha determinação em seguir na profissão.

Sendo um dos poucos brasileiros que já trabalharam com as duas maiores editoras de quadrinhos de super-heróis do mundo, no caso a Marvel Comics e a DC Comics, quais você considera as maiores dificuldades desse meio das HQs?

É muito maluco quando as pessoas falam sobre isso. É bacana, mas, ao mesmo tempo, estranho, porque não vivo essa relação de glamour. Passo 99% do meu tempo em casa, no meu estúdio, com minha esposa e meu enteado. <CF50>O dia a dia de um desenhista é muito solitário. Passamos horas desenhando, isolados em nosso próprio trabalho, e isso traz uma insegurança muito grande.Nos perguntamos: ‘Será que está bom? Será que as pessoas estão gostando?’. A maior dificuldade, acredito, sempre foi lidar com a pressão. Não apenas a pressão de fazer o melhor, mas de cumprir prazos rigorosos. É preciso entender que não é apenas sobre você; é um trabalho que envolve toda uma equipe. É necessário ser não apenas um artista, mas um artista profissional. <CF50>Outro ponto é lidar com as críticas. Hoje, com a internet, temos acesso imediato a reviews e opiniões, e isso pode ser desafiador para artistas mais inseguros.Você vê pessoas elogiando e outras criticando seu trabalho, e precisa aprender a administrar isso. Afinal, você está concorrendo com artistas do mundo todo e tem constantemente de mostrar que vale a pena continuar apostando em você.

No Grande ABC temos muitos nomes nos quadrinhos atualmente, inclusive 14 artistas da região no Artist Valley da CCXP deste ano. Como o avalia essa cena dos quadrinhos na região?

O Grande ABC sempre teve muitos artistas talentosos, mesmo para o mercado (norte) americano. Quando comecei a trabalhar com quadrinhos, nos anos 90, já tínhamos três artistas da região atuando no mercado internacional. Hoje, as convenções e a internet ajudam muito a dar visibilidade a novos artistas, permitindo que eles criem nichos e construam carreiras. No entanto, o mercado brasileiro ainda carece de grandes editoras que financiem e publiquem esses artistas, o que tornaria mais viável viver exclusivamente dessa profissão.


Como aconteceu a sua entrada para a indústria de quadrinhos norte-americana?

Eu comecei com 14 anos, como mencionei, trabalhando para a Bloch Editores. Lembro que conheci um professor de artes e quadrinhos, que, após apenas um mês de aula, me deu um telefone e disse: “Acho que você tem um desenho muito bom”. Naquela época, o mercado brasileiro de quadrinhos era bastante limitado, com poucas opções fora da Turma da Mônica, histórias infantis, quadrinhos de terror e alguns trabalhos mais alternativos. Peguei meu portfólio e literalmente mandei pelo correio para tentar minha primeira oportunidade. Após algum tempo, consegui meu primeiro trabalho. Foi um processo demorado, pois tudo era feito por correspondência. Fiz uma pequena história para a Editora Fênix, chamada Fantástico Man. Nessa época, fui ousado: escrevi o roteiro, fiz o desenho e as tiras. Infelizmente, a editora faliu antes de publicar minha história. Mais tarde, aos 15 anos, comecei a trabalhar numa agência de publicidade, o que me ajudou a aprender técnicas importantes, como o uso de letras e montagem de anúncios. Aos 16, entrei no estúdio do Mauricio de Sousa (cartunista e empresário) como trainee. Lá, passei dois anos e meio desenhando a Turma da Mônica. Foi onde aprendi o valor do trabalho em equipe e dos prazos rigorosos. Quando tinha 18 anos, o mercado (norte) americano de quadrinhos começou a abrir espaço para brasileiros. A agência que representava artistas para editoras como a Dark Horse ficava a 15 minutos do estúdio do Mauricio. Passei um ano levando meu portfólio, me adaptando ao estilo dos quadrinhos (norte) americanos e, finalmente, consegui meu primeiro trabalho: desenha Ghost para a Dark Horse.

Por duas décadas trabalhando exclusivamente para a DC Comics, como foi para você essa rotina de trabalho com alguns dos maiores personagens de histórias em quadrinhos do mundo?

Tenho de 28 a 30 anos de trabalho com o mercado (norte) americano, incluindo Marvel, DC e outras editoras. Já desenhei personagens como Hulk, X-Men, Vingadores e muitos outros. Mas, quando fui convidado para trabalhar para Action Comics desenhando o Superman, senti que era algo especial.Action Comics é a revista de super-heróis mais antiga do mundo e o berço do Superman, personagem que marcou minha infância. Passei três meses treinando para desenhar o símbolo do Superman antes mesmo de começar o trabalho oficialmente. Ele era parte do meu emocional, ligado aos filmes do Christopher Reeve e aos quadrinhos do John Byrne. Minha carreira na DC teve dois momentos que marcaram profundamente minha trajetória. O primeiro foi com Lanterna Verde, que trabalhei por anos, revitalizando a franquia junto ao escritor Geoff Johns. O sucesso desse trabalho levou até a adaptação cinematográfica. O segundo foi quando revitalizamos o Aquaman, um personagem que, até então, não era tão valorizado. Trabalhei com outros artistas brasileiros na construção dessa narrativa, e o resultado foi tão impactante que o filme baseado nesse trabalho se tornou um sucesso mundial. Além disso, participei de momentos históricos, como os aniversários de 65 e 80 anos do Superman. Esses eventos me permitiram deixar um registro duradouro na história da editora e do personagem

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Atualmente, estamos atravessando uma era em que a cultura pop está mais viva do que nunca, principalmente na questão de filmes e séries. Como é viver esse momento em que seu trabalho reflete em obras mundialmente conhecidas?

É incrível. A primeira fase do universo Marvel no cinema foi como reviver minha infância, vendo histórias que eu lia sendo adaptadas. Além disso, <CF50>toda essa ascensão da cultura nerd trouxe visibilidade e reconhecimento para os quadrinhos, algo que antes era muito mais nichado.As convenções desempenham um papel importante, pois permitem um contato direto com o público. É emocionante ver como os quadrinhos impactam as pessoas, especialmente as que enfrentam dificuldades para socializar ou têm condições especiais. <CF50>Muitos leitores encontram nos quadrinhos um refúgio e até superam barreiras para expressar sua gratidão aos artistas. Essa energia é renovadora e me motiva a continuar criando, agora explorando novos caminhos.

O que os fãs podem esperar de Ivan Reis?

Recentemente, lancei um novo projeto: a Ghost Machine, uma empresa de mídia que fundei juntamente com outros artistas e escritores renomados. Nosso objetivo é explorar novos estilos de narrativa, fugindo dos super-heróis, para contar histórias de terror, fantasia, ação e drama. Esse projeto me trouxe de volta ao gênero que marcou o início da minha carreira, as histórias de terror. Estou criando com total liberdade e paixão, e acredito que o público pode esperar algo completamente diferente de tudo que já fiz antes.

Raio x

Nome: Rodrigo Ivan dos Reis

Aniversário: 6 de novembro

Local de nascimento: São Paulo

Onde mora: São Bernardo

Formação: Superior incompleto em Artes

Um lugar:Minha casa

Alguém que admira: Minha esposa

Um livro:Conan, o Bárbaro, de Robert E. Howard

Uma música: Qualquer uma do Legião Urbana

Um filme: Conan, o Bárbaro (1982), de John Milius




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