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Doria: ‘Grande ABC precisa ser mais agressivo para obter investimento’
Evaldo Novelini
23/12/2024 | 08:59
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FOTO: Divulgação

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Depois da frustrada tentativa de se tornar presidente da República em 2022, e da consequente decisão de deixar a vida pública, o ex-governador paulista e ex-prefeito da Capital João Doria diz estar “feliz” com a volta ao seu habitat natural, a iniciativa privada. Na qualidade de copresidente do Lide, organização de líderes empresariais, ele passa o tempo promovendo a imagem do Brasil no Exterior. Ao falar sobre o Grande ABC, afirma que falta aos prefeitos “agressividade” para ir atrás de empresários estrangeiros. Questionado sobre se sente saudades da política, nega. Na sequência, revela que Começar de Novo é sua música preferida e Ainda Estou Aqui, o seu filme predileto.

Nome: João Agripino da Costa Doria Junior
Aniversário: 16 de dezembro
Onde nasceu: São Paulo
Onde mora: São Paulo
Formação: Jornalismo e publicidade
Um lugar: Bahia 
Time do coração: Santos
Alguém que admira: Mahatma Gandhi (1869-1948), pacifista indiano
Um livro: Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez
Uma música: Começar de Novo, por Ivan Lins e Vitor Martins
Um filme: Ainda Estou Aqui (2024), de Walter Salles

O Sr. acaba de promover evento de grande alcance em Londres. Qual é o resultado?

Essa foi uma estratégia dos últimos dois anos do Lide, de internacionalizar as suas operações. Estamos hoje com 26 unidades no Brasil, atendendo 22 Estados. e expandindo. Vamos chegar, ao fim do ano que vem, em todos os Estados brasileiros e territórios. Internacionalmente, são 21 unidades. Este evento do Lide em Londres, o Brazil Conference, tem sido repetido em várias capitais europeias, do Oriente Médio, em cidades chinesas, nos Estados Unidos e na América Latina. Qual é o grande objetivo? Aproximar investidores internacionais daqueles que são empresários no Brasil para, nesse matchmaking, criarem oportunidades de investimentos no Brasil. É do privado para o privado. Não há dependência de governos. Londres foi mais um passo neste sentido, voltado principalmente para o tema da transição energética. Aliás, o Brasil tem duas grandes bandeiras de interesse mundial: transição energética e segurança alimentar. Os resultados são sempre materializados de médio e longo prazos. Não se tem investimentos de US$ 1 bilhão feitos da noite para o dia.

Como é que neste momento específico o investidor estrangeiro está enxergando o Brasil? Qual é o feedback que o Sr. obteve?

A turbulência política não é um ponto de interesse de investidores internacionais. A turbulência econômica, sim. O mundo vive em turbulência política. Vamos lembrar que nós temos um conflito na Europa do Leste, já há mais de dois anos, que envolve a União Europeia, principalmente a Ucrânia e a Rússia. Não é um conflito pequeno, mas uma circunstância setorizada. Fora outras situações graves, como na Síria e o conflito no Oriente Médio, com Israel e a faixa de Gaza. É uma circunstância que o investidor sabe lidar. Não gosta, mas sabe lidar. Agora, a crise econômica, a falta de credibilidade e, principalmente, se essa falta de credibilidade se estende à insegurança jurídica, isso afeta e liquida a possibilidade de investimentos.

O Sr. ouviu essa preocupação de investidores estrangeiros?

Nos últimos dois anos, não é de agora. Não é a crise do dólar que o País vive nesse momento que provocou esse sentimento de dúvida em relação à confiança dos investidores. Há dois anos que há uma desconfiança e, infelizmente, ela vem aumentando, não vem sendo reduzida. Porque quem faz investimento, de bilhões de dólares, faz pensando em 10, 20, 30, 40, 50 anos. Longo prazo. E ele confia nas regras que foram apresentadas para que o seu investimento pudesse ser calculado, precificado, planejado e considerado naquele país. Então, ele não suporta mudanças de regras ao longo do curso do seu investimento. Isso liquida com a perspectiva da empresa e, obviamente, com a possibilidade de prosseguir investindo no país.

O que pode ser interpretado como insegurança jurídica? O caso do X, uma grande empresa internacional tirada do ar por uma intervenção do Supremo Tribunal Federal...

Não, nesse caso não é. É uma questão pontual, eu diria grave, mas isso não é interpretado como insegurança jurídica. Por quê? Porque houve uma circunstância de desrespeito em relação à legislação brasileira e a não compreensão de que o X precisava ter um escritório, representante legal, no País. Não se pode operar num país e não ter escritório. Não é razoável em nenhum lugar civilizado do mundo. Tema de insegurança jurídica é aquilo que foi feito contra a Paper Excellence, de capital indonésio e chinês, com o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) estabelecendo limitações para que empresa multinacional possa ser proprietária de terras no Brasil. Isso gera insegurança jurídica. Por quê? Já são milhares de empresas que possuem terra, espaço no Brasil, ou para alguma fábrica, ou para um empreendimento do agronegócio, ou para atividades de ordem comercial.

E que os investidores esperam que o Brasil faça para eliminar esse ponto nevrálgico?

Que o Judiciário e o Legislativo cumpram o papel que o Executivo não tem cumprido. Que a Suprema Corte e o Congresso Nacional impeçam medidas casuísticas desta ordem, ou de ordem ideológica, ou inspiradas em questões políticas.

Tendo consciência do momento político atual, o Sr. acha que isso se resolve em quanto tempo?

Resolve-se com bom senso. E bom senso leva minutos. Temos bom senso hoje no Brasil? Não. Bom senso leva minutos. Assim como tomar decisão errada leva os mesmos minutos. Olha a situação que o Brasil vive hoje do ponto de vista cambial. Porque houve uma decisão equivocada, num anúncio errado, na hora errada, na forma errada, e que prejudicou fortemente um projeto econômico que estava a ser bem construído pelo ministro Fernando Haddad.

Como anda o Lide no Grande ABC?

O Grande ABC tem uma importância relevante para a economia do Estado de São Paulo e também a brasileira. Um dos maiores polos industriais do País está concentrado nessa região. Não apenas na indústria automobilística. São cidades prósperas. A implantação do Lide, há três anos, vem desempenhando muito bem o papel na relação direta entre as empresas e também com as prefeituras. A média qualitativa dos prefeitos do Grande ABC é boa. Isso cria caminho facilitador na relação com o setor privado. E por quê? Governos que não interferem, não atrapalham, já estão colaborando muito com o setor privado. Porque estimulam o setor privado com concessões, PPPs ou medidas que facilitam o ingresso de capital e a geração de emprego. O contrário disso é sempre um desastre.

Por que, quando grandes empresas programam investimento no Brasil, a região acaba sempre sendo preterida?

Não vejo sobre esse prisma, tenho visão distinta. Não vejo nem discriminação nem falta de atenção e interesse em relação ao Grande ABC. Falta, talvez, um pouco mais de agressividade por parte dos prefeitos. Isso sim. O que chamo de agressividade? Eles podem estar mais presentes, por exemplo, em eventos e atividades do Lide, da Apex, que é a agência governamental federal de promoção exterior, e não ficarem apenas com um sentimento, vamos dizer, muito local e muito dentro do Estado de São Paulo.

Sente saudade da política?

Não, sinto orgulho do período em que fui prefeito e governador. Mas tomei uma decisão e mantenho. Não vou voltar para a política. Não tenho mágoa, não tenho ressentimento. nem da vida pública nem daqueles que compartilharam comigo a vida pública. Ao contrário, tenho orgulho, satisfação e gratidão, porque a vida pública ensina, e muito, nos bons e nos maus momentos. E esses ensinamentos me ajudam a ser uma pessoa melhor. Hoje eu sou uma pessoa melhor do que era quando governador e quando prefeito.

Se o Sr. fosse citar o que de mais importante aprendeu, o que diria?

Ter paciência. Esse foi o grande aprendizado, o maior deles. Você precisa ter paciência, compreensão, para entender o ser humano, as suas reações, os seus comportamentos e não condená-los. O fácil é condenar ou se autointitular vítima. “Fui injustiçado, não poderiam ter feito isso comigo.” Ao contrário, quando circunstâncias que, a seu ver, podem não ser justas e corretas, aprenda com elas e entenda por que essas pessoas tiveram esse comportamento. Ao invés de odiá-las, e torná-las indesejadas, compreenda, ouça, respire fundo e tenha paciência.

O Sr. acha que faltou um pouco de paciência na sua trajetória política, emendando campanha de prefeito na de governador e, na sequência, na de presidente?

Sim. A compreensão e a paciência ajudam a estabelecer o ritmo adequado da sua trajetória. Na vida privada é um, na vida pública é diferente. Eu imprimi um ritmo na vida pública, o mesmo que eu tinha na vida privada. Fui um gestor, absolutamente um gestor. Não fui político, mas talvez se tivesse colocado uma dose um pouquinho maior da política na gestão, não teria comprometido a gestão e teria melhorado o comportamento político. É um reconhecimento. 

O Sr. acha que se tivesse sido um pouco mais paciente, menos açodado, seria presidente da República um dia?

Não sei. O presidente Fernando Henrique Cardoso sempre fala, e acertadamente, que presidência é destino. Ele me falou isso várias vezes. Presidência da República é destino. Não se planeja, não se organiza, não se estrutura alguém para ser presidente. É o destino que leva você a ser presidente. Então, nas circunstâncias, o destino não quis que este fosse o meu caminho. Colocou-me de volta na vida privada, com a minha família, meus amigos, e onde estou, aliás, muito feliz.

O Sr. mandou cartas reconhecendo alguns excessos e pedindo perdão ao Lula e ao Alckmin. Obteve retorno?

Na verdade, não foi um pedido de perdão. Foi a compreensão de que a política e, principalmente, os momentos eleitorais exacerbados levaram-me a fazer colocações que não deveria ter feito. E houve esse reconhecimento. Acho isso, inclusive, prova de grandeza e não de fraqueza. O governador Alckmin respondeu e teve um gesto elegante de ir à minha casa. Ficamos duas horas conversando e nos reconciliamos plenamente. O presidente Lula não respondeu, nem por escrito, nem por telefone, nem nenhuma outra demonstração, o que não tem problema. Fiz o que a minha consciência mandava fazer.

A última pergunta: o Sr. julga ter sido acertada a decisão que tomou quando governador de substituir o Metrô pelo BRT?

Não precisa do Metrô. O BRT pode cumprir perfeitamente as mesmas funções, com a mesma qualidade, com o mesmo atendimento, numericamente, com o conforto e a funcionalidade que a população merece, com um investimento muito menor do Estado. Foi uma decisão pragmática. Não sou mais governador, mas continuo confiando que essa foi a melhor alternativa. E espero que ela, ao se implantar, confirme.




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