O dólar emendou nesta sexta-feira, 29, o quarto pregão consecutivo de alta no mercado local e fechou acima de R$ 6,00 pela primeira vez na história. Além do desconforto com as medidas fiscais do governo, que se traduziram em aumento do prêmio de risco, houve impacto de fatores técnicos, como a rolagem de contratos futuros e disputa pela formação da última taxa ptax do mês.
A escalada do dólar começou já na abertura do mercado, na contramão do enfraquecimento da moeda americana no exterior. A divisa superou o nível dos R$ 6,00 ainda nos primeiros minutos de negociação e, em pouco mais de uma hora de pregão, furou o teto de R$ 6,10, registrando máxima a R$ 6,1155.
A febre compradora amainou no início da tarde com sinais vindos de Brasília de compromisso com o controle das contas públicas. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que toda medida de corte de gastos contará com "todo esforço, celeridade e boa vontade da Casa", mas ponderou que iniciativas do governo que representem renúncia de receita serão apreciadas apenas em 2025 - uma referência à proposta de isenção de Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil por mês.
Em seguida, foi a vez de o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), pôr o time em campo. Em nota, Pacheco afirmou que a isenção de IR "não é pauta para agora e só poderá acontecer se (e somente se) tivermos condições para isso". Se essas condições não estiveram presentes, "não vai acontecer", alertou Pacheco.
"O mercado interpretou essas mensagens como um movimento em direção à responsabilidade fiscal, ajudando a amenizar a tensão provocada pelos anúncios de ontem", afirma o head de câmbio da B&T Câmbio, Diego Costa.
No embalo das palavras de Pacheco, o real ensaiou uma recuperação. O dólar trocou de sinal e operou por período reduzido em terreno negativo, com mínima a R$ 5,9579. A moeda americana voltou a subir em seguida e, embora com fôlego bem menor do que o observado pela manhã e nos pregões anteriores, fechou em alta de 0,20%, cotada a R$ 6,0012. A divisa acumulou valorização de 3,21% na semana e de 3,81% em novembro, após ter subido 6,31% em outubro.
O economista-chefe do Banco Master, Paulo Gala, afirma que o estresse no mercado financeiro nos últimos dias, com disparada dos juros futuros e do dólar, poderia ter sido evitado se o governo não tivesse adiado sucessivamente o anúncio do pacote, que foi prometido inicialmente para logo após as eleições municipais.
"Além de o pacote ter sido mais tímido, ainda veio o anúncio da isenção do IR, que provavelmente nem vai acontecer. Tem toda uma discussão no Congresso para 2025, eventualmente entraria em vigor em 2026, mas acho que não tem chance de passar", afirma Gala, em comentário. "Mas o fato é que passou uma sinalização para o mercado que o governo não está tão preocupado em controlar gastos."
Em almoço de fim de ano na Febraban, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tentou também aplacar os ânimos ao dizer que o projeto do IR será votado apenas se for neutro do ponto de vista fiscal e que o pacote anunciado não "é o gran finale" nem "bala de prata". À plateia de banqueiros, o ministro disse que pode voltar a discutir a evolução do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e da Previdência.
Para o economista André Galhardo, consultor da Remessa Online, a reação do mercado ao pacote de gastos "foi desproporcional". Ele acredita que a volatilidade pode diminuir conforme as medidas anunciadas pelo governo sejam assimiladas.
"Em algum momento devemos observar um ajuste. A cotação deve ceder ou pelo menos voltar a ser menos volátil. Contudo, imaginar uma recuperação sólida da moeda brasileira ao longo dos próximos meses é um desafio", afirma Galhardo, lembrando que há fatores externos, como o retorno de Donald Trump à Casa Branca, que devem limitar o fôlego do real.
Ao avaliar a possibilidade de o Banco Central intervir no mercado de câmbio, o economista-chefe do Banco Pine, Cristiano Oliveira, afirma que o retorno da cotação do dólar para níveis "desejados" entre R$ 5,70 e R$ 5,80, que prevaleciam antes da novela do anúncio do pacote de corte de gastos, virá apenas com a adoção de medidas mais amplas.
"A intervenção no câmbio isoladamente não teria o impacto desejado. Teria mais efeito um combo, com venda de dólares, aumento significativo da taxa Selic e um complemento do ajuste fiscal com medidas mais robustas", afirma Oliveira.
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