Filha de médicos em Sto.André, Isabella do Nascimento, 24 anos, faz mestrado em Política Pública na Universidade de Chicago, nos EUA
Os economistas James Robinson, Daron Acemoglu e Simon Johnson foram agraciados no último 14 de outubro com o Prêmio Nobel de Economia, por pesquisa pioneira sobre a desigualdade de riquezas entre as nações. E acredite, leitor, existe relação entre um dos premiados e o Grande ABC. E não apenas pelo fato de a região fazer parte de um País subdesenvolvido que sofre com as consequências do tema abordado. A mestranda Isabella Pestana de Andrade do Nascimento, 24 anos, cujos pais, os médicos Antonio Carlos do Nascimento e Maria Carolina Pestana de Andrade do Nascimento, são atuantes em Santo André há mais de 20 anos, teve entre janeiro e maio deste ano o privilégio de aprender com Robinson, titular de Políticas Públicas e Ciência Política na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos.
Formada em Relações Internacionais pela Fundação Getulio Vargas, em São Paulo, onde nasceu, Isabella faz mestrado em Política Pública desde agosto de 2023. Além da oportunidade de assistir a aulas com o 101º vencedor do Nobel pela consagrada instituição de ensino mundial, ela viveu experiência antes nunca sonhada: uma bolsa de US$ 6.000 custeada pela Pearson Institute para trabalhar por três meses em ONG (Organização Não Governamental) na Zâmbia. O economista britânico é diretor no instituto que tem como propósito identificar novas estratégias para reduzir ou mitigar conflitos globais.
“Eu conversava com ele (Robinson) toda semana, em office hours (horário de atendimento). Estava me preparando para o meu período de férias. Aqui, nos Estados Unidos, é muito comum você ter estágios de verão. E o James colocou na minha cabeça que eu tinha que ir para África”, conta Isabella. “Resolvi ir para a África Subsariana (parte do continente sul-africano composta por 48 países situados ao Sul do Deserto do Saara). E consegui contrato numa organização de pesquisa local”, afirma ela, numa referência à Saipar (Southern African Institute for Policy and Research), ou Instituto Sul-Africano de Pesquisa e Política, em Lusaka, capital e maior cidade do país (leia mais abaixo).
A convivência com o prêmio Nobel britânico teve início em aula sobre economia da África, disciplina estudada há mais de 20 anos por Robinson. Isabella disse ter ciência da atuação do professor na universidade antes mesmo de começar o curso, mas não imaginava o privilégio de aprender com ele – e muito menos que ele viria a ser premiado. “Não é todo dia que você acorda com a notícia que seu professor ganhou o Nobel. É um cara que sempre foi muito bom nesse lado de economia e ciência política, economia do desenvolvimento, tanto que ele tem um livro superfamoso chamado Why Nations Fail (Por que as Nações Fracassam). Li na época da faculdade (ela se formou em 2022)”.
ARROGÂNCIA
Na visão da mestranda, o britânico humanizou a economia. “Porque nem tudo é sobre métodos. Além de tudo, ele não se encaixa no retrato do economista tradicional, principalmente aqui, na Universidade de Chicago. São pessoas muito arrogantes. No ano passado, trabalhei no Departamento de Economia. É um xingamento atrás do outro”, desafaba. “Já James é extremamente humilde. Entra na sala de aula, ou em qualquer tipo de apresentação, e está de tênis colorido, calça jeans e blusa estampada. É o uniforme dele.”
O reconhecimento ao trabalho desenvolvido por Robinson se estende ao conteúdo curricular. “Essa matéria de África que eu fiz com ele abriu meus olhos, porque tem uma diferença muito grande do que eu conhecia da literatura, porque a literatura de Economia e Desenvolvimento vê muito essa diferença de países que prosperaram e outros que não. Aí tentam o tempo todo entender o que diferencia a Europa da África”, explica ela. “E o trabalho do James nunca foi sobre isso. Talvez seja a maior crítica a respeito: de que você está errando muito ao comparar medidas que essas pessoas nunca pensaram em avançar. Não era nem do critério delas ter essas instituições que os europeus construíram. Além de tudo, todo o jeito que esse continente tinha de funcionar, ele acabou sendo muito suscetível para o que veio da colonização e o que os europeus deixaram lá. Então, os problemas que a gente vê na África subsariana acabam sendo consequências do que aconteceu na colonização.”
CONEXÕES
Segundo Isabella, a matéria tem o conceito do próximo livro de James, que é a riqueza das pessoas. “Ele fala que na África subsariana, da medida de riqueza que ele vê lá. Não é uma riqueza transacional, de moeda, e, sim, de conexões. Tanto que eu percebi isso na primeira semana que eu cheguei nesse trabalho na Zâmbia, que foi, tipo, uma semana você conhece uma pessoa, essa pessoa vai te apresentar para outra pessoa, e quando você se der conta, você já conhece não sei quem do governo. Porque você não tinha nada a ver, mas tudo são sobre essas conexões muito densas. O que é muito diferente do norte global”, afirma.
As experiências vividas na África e ainda em desenvolvimento nos Estados Unidos transformaram não só o pensamento de Isabella, mas também sua postura. “Eu voltei (da África) muito questionadora. Isso é uma coisa que eu aprendi com o James. Estou fazendo agora aula com outro cara superestrelinha aqui, que se chama Chris Blackman. Ele também é superquestionador do que a gente considera desenvolvimento, de como, realmente, a gente pode auxiliar e não atrapalhar o desenvolvimento das nações. Acho que trabalhar com pessoas como o James, por exemplo, é um jeito de você entender como eles lidaram com essas complexidades, porque tem coisa que não tem aula que te ensine. Ou, tipo, como posso falar, é no dia a dia de convívio que você começa a entender como uma coisa funciona ou como outra não funciona. Acho que a parte mais bonita de conhecê-lo pessoalmente foi passar a entender que ele, na verdade, nunca estava mirando no prêmio Nobel, mas ele estava sempre mirando em excelência acadêmica e de pesquisa. E eu acho que esse prêmio acabou sendo a consequência disso.”
Projeto na África abrange áreas afetadas por seca
No período de estágio no Saipar (Southern African Institute for Policy and Research), em Lusaka, capital da Zâmbia, a brasileira foi a responsável pelo desenvolvimento de projeto, juntamente ao governo federal, com foco na juventude de áreas rurais afetadas pela seca. O objetivo era auxiliar na obtenção de financiamentos para projetos locais.
“Foram três meses e meio para desenhar esse programa. Ao término do estágio, deixei tudo estruturado para a implementação, que vai ocorrer ao longo do próximo ano e meio”, diz Isabella, ao destacar ainda a concretização de diversas parcerias que fortaleceram o plano. “Envolvemos organizações do terceiro setor local, além do governo federal, por meio do Ministério da Juventude, que dará acesso às regiões onde o programa será implementado. Enfim, conseguimos mobilizar vários stakeholders para fazer acontecer. O projeto, o desenho e a implementação têm financiamento da Ford Foundation.”
A exemplo dos pais, médicos em Santo André, a brasileira revela ter sempre sonhado impactar a vida de outras pessoas. “Pensei muito em seguir por um caminho mais científico e da medicina, mas acho que não era para mim. E acabei indo para Relações Internacionais, porque eu vi que poderia atingir um número maior de pessoas pensando em programas. Tem uma área, especificamente, que se chama Desenvolvimento Internacional, que oferece a oportunidade de trabalhar em cooperações internacionais, em programas de desenvolvimento internacional, em banco de desenvolvimento, enfim.”
Diante da decisão, Isabella seguiu à universidade em busca de habilidades na área de desenvolvimento internacional. “Estou me encontrando nessa área mais de pesquisa aplicada. Você usa os dados e a análise quantitativa e a evidência para transformar em políticas públicas”, explica.
Atualmente, a mestranda concilia a rotina de estudos ao trabalho de produção no podcast Virtual Conference, criado pela universidade.
A vivência na África mudou o posicionamento de Isabella em relação a diversos assuntos e a incentivou a planejar novas aventuras ao término do curso, no segundo semestre de 2025. “O Oriente Médio é uma região que eu sempre quis muito ir, mas agora, infelizmente, não é o momento (devido à guerra entre Israel e Irã)”, diz. “É um lugar que imagino ser muito interessante, tem muita riqueza a oferecer. Não estou falando dos recursos minerais, porque isso também tem, mas outros tipos, como as muitas religiões.”
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