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A menina se desespera diante da enorme panela vazia. Seus prováveis cinco ou seis anos não lhes deram respaldo quando se aventurou na dramática peleja para conseguir seu quinhão de comida. Ela chora, e os cabelos desgrenhados mais a roupa suja e rota denunciam o seu abandono.
O alimento fora doado e preparado por equipes para atender à massa humana que perambula em meio aos escombros em busca de qualquer coisa que possa lhe forrar o estômago e proporcionar alguma alegria ao coração, ainda que fugaz.
Gente sem vontade qualquer, de quem a guerra roubou, inclusive, o brilho dos olhos, luta pelo alimento somente porque o instinto animal manda que sobreviva a qualquer preço. Mesmo porque, quem se envolve na contenda para conseguir um pouco de comida, ali naquele aglomerado voraz, por certo que já perdeu tudo, incluindo entes queridos.
São pessoas privilegiadas por não terem sucumbido ao poder das bombas e que agora devem sobreviver ao caos promovido pela fome, pela falta de moradia, de saneamento, que fatalmente lhes conduzirá à morte por qualquer infecção, uma vez que hospitais e remédios são agora luxos de além fronteira.
Mas a menina que chora de barriga vazia não está sozinha. Logo ali adiante outra garota, pouco mais velha, carrega sobre os ombros uma criança ferida, a irmã menor brutalizada pela insanidade de alguns que, detrás de suas escrivaninhas, determinam o extermínio de toda uma população.
Crianças como as meninas, protagonistas de mais este episódio bárbaro da vida humana, não entendem a razão de tamanho ódio, e das lágrimas a permearem as suas vidas desde sempre. Às vezes, desconfiam da existência de um mundo, qualquer coisa, mais humano, embora a sua realidade mostre que tudo se resume em morte e destruição. O convívio com isso fez até com que esquecessem que viram lugares diferentes no tempo em que estudavam, antes que as bombas transformassem em pó suas escolas.
E a menina que carrega a irmãzinha não parece se importar com a loucura em que se transformou a distribuição de comida. Seu olhar é indiferente, foca unicamente no caminho que deve percorrer em busca de ajuda para o que sobrou de sua família, a irmãzinha.
Mas há um fotógrafo em seu caminho. Um indivíduo, dono de uma câmera e de um grande coração, que registra o horror em ambas as máquinas para levar um pouco da crueldade a outros povos. E foi sua compaixão que o impeliu a procurar uma das raras ambulâncias em busca de auxílio para a pequena.
Tocante ainda foi ver, por meio da internet, que tudo enxerga e tudo comenta, a irmã maior deixando o local, carregando a pequena, agora de semblante mais saudável, embora se saiba que a caminhada das duas, em meio ao caos, não acaba ali.
E o senhor da guerra se gaba de tamanho feito. Para ele, eliminar uma população inteira lhe concederá as graças do Senhor Teu Deus, porque religião é o que não lhe falta à mesa. Suas tradições, seus cânticos, suas comidinhas, seus rituais e seu livro penta-magnifico certamente ensinam que a gente brutalmente assassinada não é merecedora do reino. Para ela, somente o castigo, porque, afinal, não nasceu povo de Deus.
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