Vereadores discutiram a elaboração de emenda supressiva para retirar do texto os artigos que abrem caminho para urbanização do pós-Balsa
A base aliada ao prefeito de São Bernardo, Orlando Morando (PSDB), na Câmara sinalizou nesta quarta-feira a possibilidade de alterar o projeto de lei 52/2024, que prevê a revisão do Plano Diretor do município e muda o ordenamento territorial de área florestal ocupada por comunidades indígenas no bairro do Tatetos, no pós-Balsa. A proposta trava a pauta na Câmara há três semanas. Nesta quarta, os vereadores discutiram a elaboração de uma emenda supressiva para retirar os dois artigos mais polêmicos do texto. Porém, a sessão foi encerrada sem que a propositura fosse apreciada em plenário.
Os artigos polêmicos da proposta de Morando são o 47 – “adequar o espaço de uso comum (da Macroárea do pós-Balsa) para compatibilizar a expansão logística ao longo das rodovias com as áreas de manejo sustentável” – e o 140, que revisa o perímetro urbano da área do Tatetos tornando zona de urbanização uma área que comprovadamente é de cobertura verde.
O texto foi contestado no dia 28 de agosto, na Câmara, pelo procurador Steven Shuniti Zwicker, do MPF (Ministério Público Federal), que solicitou a suspensão de sua tramitação. Em documento, o órgão apontou inconstitucionalidade na revisão do Plano Diretor e informou aos vereadores que, se a medida fosse levada adiante, seria obrigado a ajuizar uma ação contra a mudança. Segundo o procurador, a proposta de alteração do zoneamento foi conduzida de forma inadequada, desrespeitando a legislação vigente, que exige a realização de audiências públicas com os moradores das áreas impactadas.
Nesta quarta, a Comissão de Direitos Humanos da seccional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em São Bernardo também se manifestou sobre o assunto. Em documento encaminhado à reportagem, a entidade se posicionou “contra a violação reiterada dos direitos fundamentais dos povos indígenas do município, sediados no território do pós-Balsa (…), por ocasião da elaboração da revisão do Plano Diretor do município, que ignorou seu direito, garantido pela Convenção 169 da OIT, do qual o Brasil é signatário, e, portanto, subordinado, de consulta livre, previa e informada, bem como sua participação no processo”.
Ao Diário, o presidente da Câmara, Danilo Lima (Podemos), deixou em aberto a possibilidade de a votação acontecer na Câmara na próxima sessão, no dia 18. “Existe uma proposta entre os vereadores para retirar os dois artigos que dizem respeito ao pós-Balsa e fazer a conversa, primeiro, com as aldeias indígenas. Na próxima sessão, após a análise dos vereadores, vamos agir pela democracia. Vamos fazer o que a legislação pede e nos permite”, disse.
Hiroyuki Minami (Republicanos), vereador da base do governo, disse à reportagem que o grupo se reuniu com Morando para discutir o projeto e o tucano se dispôs a mudá-lo. “Na reunião de bancada, o prefeito deixou muito claro que o Plano Diretor não está aí para prejudicar a vida de ninguém, muito menos o povo originário. Ele está disposto a aceitar de pronto as colocações feitas pelo procurador da República que aqui esteve”, disse.
O vereador ressaltou ainda que os dois artigos citados anteriormente estão sendo revisados. “O prefeito concorda plenamente que esses dois artigos sejam retirados do Plano Diretor”, disse.
Segundo Minami, os vereadores estudam elaborar uma emenda supressiva a fim de retirar esses dois artigos para, finalmente, poder votar o projeto do Executivo, que ‘tranca’ a pauta da Casa – enquanto os parlamentares não tomarem uma decisão definitiva, outras matérias não podem ser discutidas. “Tem um grupo que estuda esse assunto, e a Prefeitura tem uma equipe técnica. A área que, eventualmente, poderia ser utilizada (para urbanização no Tatetos) está muito longe do local que está sendo ocupado pelas aldeias, e a área destinada seria inferior a 1%”, defendeu.
O posicionamento do vereador sobre o projeto não foi bem-aceito pelos grupos indígenas, que compareceram à Câmara para acompanhar a sessão. Silvia Muiramomi, socióloga indígena e liderança do povo Guayana-Muiramomi, acompanhada de representantes da aldeia Guirapaju, explicou que, segundo um ofício da Secretaria de Meio Ambiente enviado ao MPF, o projeto elaborado pela gestão Morando não respeita os 10 km de distância das terras indígenas legalmente exigidos para urbanização.
“Está mapeado que a maior distância entre a área que eles querem urbanizar e as aldeias é de 4,9 km, chegando a 1,3 km. Qualquer avanço abaixo de 10 km impacta diretamente fauna, flora, segurança alimentar e a soberania desse território. O que estamos pedindo que todas essas questões legais que se referem de fato à proteção efetiva dos territórios indígenas sejam respeitados pelo Plano Diretor. Por isso, pedimos a supressão dos artigos 47 e 140, que são os dois que estão abrindo a porta para urbanização em áreas de proteção de manancial e de território indígena”, detalhou.
Silvia relembra que o Grande ABC, conforme mostrou o Diário na última segunda-feira, tem sofrido efeitos severas de fenômenos climáticos extremos. “Isso no momento em que ocorrem muitas queimadas na região, aumento drástico da temperatura e diminuição de nossos mananciais. Daí, a preocupação de manter a cobertura verde deveria ser da Secretaria de Meio Ambiente, mas nós é que estamos aqui tentando lembrá-los de que não é possível sobreviver se a gente não mantiver a mata em pé”, apontou.
Padre Ryan Holke, que discursou para os vereadores durante a sessão, explicou: “O território do pós-Balsa está em um isolamento geográfico pela represa Billings de maneira que o acesso principal é por meio das duas balsas. Como a rodovia dos Imigrantes perpassa o território praticamente de fora a fora, isso torna qualquer empreendimento de expansão logística, às margens da rodovia, um impacto direto.”
“Todo suporte para esses centros logísticos terá de vir à comunidade do pós-Balsa, uma comunidade em vulnerabilidade social e ecológica. A terra indígena que fica dentro desse território, mais próximo à Serra do Mar, também é impactada porque qualquer movimentação de terra vai afetar a floresta, vai afetar também a movimentação dos animais e do estilo de vida próprio da cultura dos povos indígenas. Então, seja para a população não-indígena ou indígena, a vinda desses centros logísticos representa uma grande ameaça à vida social e da nossa comunidade”, completou.
Análise de impeachment contra prefeito fica em segundo plano
A Câmara de São Bernardo ainda não apreciou o pedido de impeachment contra o prefeito Orlando Morando (PSDB). Trata-se da sétima iniciativa do tipo contra o tucano. A discussão sobre a revisão do Plano Diretor travou a pauta e mobilizou os vereadores, deixando outros temas para segundo plano.
O presidente da Casa, Danilo Lima (Podemos), disse ao Diário que a ação de iniciativa popular está em análise nas comissões. “Provavelmente passará pelo plenário”, disse. A apreciação dos parlamentares só terá espaço na pauta após a votação da revisão do Plano Diretor.
A ação sustenta que o chefe do Executivo prejudica o município e os servidores públicos ao leiloar o terreno que abriga a Secretaria de Finanças, almoxarifados e SBPrev, instituto de Previdência dos servidores municipais. A área está localizada entre as avenidas Kennedy e Senador Vergueiro.
Conforme noticiado nesta semana pelo Diário, a área de 32.590 m², entre construções e terreno, tem preço estimado de R$ 159,9 milhões.
“Morando tem entregue o patrimônio público da cidade. See continuar na gestão até o fim do mandato, não sei o que será de nosso município. Praticamente toda semana ele vem com uma investida nova. Agora está vendendo até as ruas da cidade”, ressaltou a a vereadora Ana Nice (PT), citando matéria do Diário segundo a qual o tucano planeja se desfazer de três vias públicas do município.
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