Imagina não ir ao médico por não conseguir ler o letreiro de um ônibus? Ou não conseguir escrever o seu próprio nome em um documento? O analfabetismo pode afetar a qualidade de vida e excluir da sociedade milhares de pessoas. Na região são 56 mil moradores que não sabem ler ou escrever, segundo dados do Censo Demográfico 2022. Esse número representa 3,2% do total de habitantes do Grande ABC.
A diarista e comerciante Marlene Luiza da Silva, 51 anos, fazia parte dessa estatística até o ano passado. Após cinco décadas de vida, a moradora de Ribeirão Pires conseguiu quebrar o ciclo socioeconômico que foi inserida ainda quando criança e encontrou nos estudos a chance de uma nova vida.
Na infância, Marlene não teve a oportunidade de estudar. Natural de Tuparetama, município de Pernambuco, ela conta que foi criada na roça e que os pais chegavam até a fazer a matrícula na escola, porém a prioridade era ajudar a família no trabalho. Como muitas meninas da década de 1980 de zonas rurais, a comerciante casou cedo, aos 15 anos, e aos 20 já tinha três filhos. Com isso, a educação mais uma vez ficou em segundo plano. A prioridade era cuidar das crianças.
Em 1997 mudou-se com a família para Mauá e três anos depois foi viver em Ribeirão Pires, onde reside até hoje. Nesse período, foram muitas as tentativas para voltar a estudar, mas nenhuma teve sequência, até que em 2023, Marlene, incentivada pelos filhos e netos, persistiu no sonho de aprender a ler e escrever.
Estudante do segundo ano do ensino fundamental do EJA (Educação para Jovens e Adultos) na Escola Municipal Engenheiro Carlos Rohm II, em Ribeirão, Marlene celebra neste Dia Mundial da Alfabetização, comemorado hoje, uma das maiores conquistas da sua vida. “Descobri um mundo novo depois que aprendi a ler e escrever. Vivo agora em outra realidade, é maravilhoso”, revela.
A nova vida de Marlene inclui fazer caça-palavras, enviar mensagens para amigos e familiares no celular e responder pedidos de orçamento do seu comércio alimentício – ela vende bolos e doces de milho sob encomenda. “Antes os clientes me mandavam mensagem e eu enviava para minha filha ler e depois ela mandava um áudio explicando a informação. Perdi várias vendas por causa disso, agora eu mesma converso com eles e faço as contas sozinha”, afirma ela, orgulhosa.
Não conseguir ler a descrição de um produto de limpeza na prateleira de um supermercado ou precisar de ajuda para atividades básicas do dia, como ler a bula de um remédio, não faz mais parte da vida independente conquistada por Marlene. “Meu sonho é viajar sozinha para Pernambuco para visitar minha mãe. Agora vou poder ler as placas e vou conseguir acessar os locais, sem nenhuma ajuda”, pontua.
TAXA DE ALFABETIZAÇÃO
Idosos acima de 65 anos foram o grupo com a menor taxa de alfabetização no Grande ABC. Todos os índices estão abaixo de 90%. Pessoas com 80 anos ou mais têm apenas 81,73%, o mais baixo entre as outras faixa-etárias. Na sequência aparecem os moradores com 75 anos ou mais, com 84,88%, e 65 anos ou mais, com 89,93%. Dos 15 aos 44 anos, a taxa é de 99%, segundo dados do Censo Demográfico de 2022.
O índice de alfabetizados na região é de 97,4%, superior aos 96,8% do Estado e aos 93% do Brasil. Desde 2014, o PNE (Plano Nacional de Educação) possui metas e estratégias para a política educacional que deveriam ser cumpridas até este ano.
A meta número nove estabelece que até o fim deste ano o objetivo é erradicar o analfabetismo absoluto, que compreende a incapacidade de ler e escrever, e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional, incapacidade de compreender textos simples.
Nos municípios da região, a principal estratégia para combater o analfabetismo é a oferta gratuita de turmas do EJA. No Grande ABC, 3.576 pessoas cursam atualmente o módulo, sendo 1.776 alunos em Santo André, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, e 1.776 na rede estadual de ensino. Desse total, 323, ou 9%, são idosos acima de 65 anos. As demais cidades não informaram o número de turmas na rede municipal.
Instituto ajuda crianças autistas no processo de alfabetização
Quando o assunto é analfabetismo, jovens e adultos representam a maioria das pessoas afetadas. Outro recorte para entender essa realidade é referente à população com deficiência, muitas vezes por negligência nas escolas por falta de suporte adequado. Ou seja, esse grupo está matriculado nas unidades de ensino, mas não consegue aprender a ler e escrever.
Para tentar mudar esse cenário, o Incca (Instituto Nacional às Crianças Carentes Autistas), de Santo André, oferece gratuitamente acompanhamento pedagógico, nutricional e terapêutico para autistas em situação de vulnerabilidade social. No total, o instituto atende 100 jovens, sendo 30 crianças em processo de alfabetização.
A coordenadora do Incca, Fernanda Lima dos Santos Bezerra, explica que desses 30 alunos, quatro não estão na rede de ensino, enquanto os demais, apesar de estarem matriculados em escolas, necessitam de acompanhamento extra para aprender a ler e escrever. “A alfabetização traz evolução muito grande para os nossos assistidos. Eles desenvolvem mais independência e melhoram significativamente a sociabilidade. Em muitos casos, a criança é não verbal e, após aprender a ler ou escrever, começa a verbalizar suas vontades e desejos”, ressalta.
Fernanda complementa que o papel da ONG (Organização Não Governamental) é apoiar a escola no processo de alfabetização das crianças autistas. “Sempre digo que somos um braço direito deles. Em algumas salas de aula não tem professor auxiliar individualizado e dependendo da condição do estudante ele precisa de um acompanhamento mais pessoal”, revela a coordenadora.
Thiago Gabriel Abreu de Araújo, 12 anos, é um dos assistidos do Incca que estão aprendendo a ler e a escrever. Sua mãe, Mayara Abreu de Araújo Teixeira 30, diz que ele frequenta o sétimo ano do ensino fundamental, mas que foi com o apoio do instituto que ela notou evolução nas atividades escolares.
“Depois que ele começou o tratamento no Incca evoluiu muito, agora consigo praticar as lições com ele em casa. As profissionais do instituto têm uma maneira diferente de trabalhar com as crianças, e elas também ensinam as famílias e isso ajuda a melhorar a relação”, comenta Mayara.
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