Diante do mar de corrupção que assola as sociedades modernas, se impõe a reflexão sobre a justiça, honestidade e cidadania na gestão das coisas públicas. Grandes conglomerados econômicos, não raro, vão à falência por falta de transparência na sua gestão. A transparência é importante não só por motivos éticos, mas também para se obter o sucesso almejado.
No atual pontificado, o papa Francisco colocou para a Igreja uma agenda de atualização e mudanças que inclui o máximo de transparência no governo eclesial, em todas as áreas. Isto não é fácil, mas esta é uma proposta que veio para ficar, mesmo porque já está sendo implementada.
Uma Igreja sinodal necessita da cultura e prática da transparência e prestação de contas (accountability, um termo inglês também utilizada noutras línguas), que são indispensáveis a fim de promover a confiança recíproca, necessária para caminhar juntos e exercer a corresponsabilidade pela missão comum. Na Igreja, o exercício da prestação de contas não responde em primeiro lugar a exigências de caráter social e organizativa. O seu fundamento está na natureza da Igreja que é “mistério da comunhão”.
Na Bíblia se encontram práticas de prestação de contas na vida da Igreja primitiva ligadas à preservação da comunhão. O cap. 11 dos Atos dos Apóstolos oferece um exemplo: quando Pedro regressa a Jerusalém depois de ter batizado Cornélio, um pagão (cf. At 11,2-3). Pedro responde com uma narrativa que presta contas da sua atuação. A prestação de contas do ministério à comunidade faz parte da tradição mais antiga da Igreja. A teologia cristã do serviço (stewardship) oferece um quadro de referência que permite compreender o exercício da autoridade no prisma da transparência e prestação de contas.
No nosso tempo, impôs-se a exigência de transparência e prestação de contas na Igreja e por parte da Igreja, após a perda de credibilidade resultante dos escândalos financeiros e principalmente dos abusos sexuais. A falta de transparência e de formas de prestação de contas alimenta o clericalismo, que assenta no pressuposto implícito de que os Ministros ordenados não devem prestar contas a ninguém no exercício da autoridade que lhes foi conferida. Um erro fruto da exclusão da ideia de serviço no ministério.
Se a Igreja quer ser acolhedora, então, prestação de contas e transparência devem situar-se no centro da sua ação em todos os níveis e não apenas no nível da autoridade. No entanto, quem desempenha cargos de autoridade tem maior responsabilidade neste campo. Deve incidir igualmente nos planos pastorais, métodos de evangelização e modalidades com que a Igreja respeita a dignidade da pessoa humana.
A transparência deve ser uma característica do exercício da autoridade na Igreja. Hoje em dia, são necessárias estruturas e formas de avaliação regular do modo como são exercidas todas as responsabilidades. A avaliação, entendida em sentido não moralista, permite introduzir ajustamentos e favorece o crescimento e a capacidade dos agentes de pastorais de prestarem um serviço melhor.
Nos acostumamos a medir a honestidade alheia pela nossa, mas sempre é necessário ter presente que o melhor caminho é a honestidade, a transparência. Sabemos que não tardará a transigir sobre o fim quem está disposto a transigir sobre os meios. Enfim, como escreveu Lacordaire, político, jornalista orador sacro do oitocentos: “honesto é aquele que mede o seu direito pelo seu dever”.
Mais do que nunca a transparência é essencial para o progresso da sociedade.
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